quarta-feira, 22 de maio de 2013

Misto Quente

Bukowski, sempre ótima opção.

"- Este é o Henry Jr?
- Sim.
- Ele só fica olhando. É tão quietinho.
- É assim que queremos que ele seja.
- As águas paradas são as que têm maior profundidade."

"Minha mãe estava lendo o bilhete. Logo a ouvi chorar. E depois começaram as lamentações.
- Oh, meu Deus! Você desgraçou o seu pai e a mim! É uma desgraça. Imagine se os vizinhos descobrirem? O que vão pensar?
Eles jamais falavam com seus vizinhos."

"O aparelho emitia um zumbido. Era tranquilo. O som provavelmente era produzido pelo timer, ou pelo refletor de metal na lâmpada de aquecimento. Era reconfortante e relaxante, mas quando comecei a pensar no que aquilo significava, cheguei a conclusão de que tudo o que estavam fazendo por mim era inútil. Percebi que na melhor das hipóteses as agulhas me deixariam com cicatrizes pelo resto da vida. Isto era realmente terrível, mas não era a minha principal fonte de preocupação. O que eu tinha em mente era o fato de que eles não sabiam o que fazer comigo. Podia sentir isso quando eles discutiam e no modo como atuavam. Hesitavam, sentiam-se desconfortáveis, muitas vezes profundamente desinteressados e aborrecidos. Por fim, não importava o que iriam fazer. Eles apenas tinham que fazer algo - qualquer coisa -, pois não fazer nada seria uma atitude antiprofissional."

"Uma vez voltei com ele para casa e descobri como ele conseguia seus "A's". A mãe o obrigava a enfiar o nariz num livro assim que ele chegava e ela o mantinha ali. Ela o fazia ler os livros didáticos, um após o outro, página por página.
- Ele precisa passar nos exames - ela me disse.
Nunca ocorreu a ela que talvez os livros estivessem errados. Ou que talvez isso não tivesse a menor importância. Contudo, nada lhe perguntei."

"- O que há de errado com seu amigo? - perguntou uma das garotas que tentava cobrir o rabo.
Jim disse:
- Ele é estranho.
- O que há de errado com ele? - ela voltou a perguntar.
- Ele só é estranho - respondeu Jim.
Ele se levantou e afastou, acompanhado pelas garotas. Fechei meus olhos e fiquei escutando as ondas. Milhares de peixes mar adentro, devorando uns aos outros. Infinitas bocas e infinitos cus, engolindo e cagando. A Terra inteira não era nada além de bocas e cus engolindo e cagando e fodendo."

"O R.O.T.C. me manteve afastado dos esportes que os outros caras praticavam diariamente. Eles formavam as equipes das escolas, recebiam suas cartas de recomendação e conquistavam as garotas. Meus dias eram gastos, em sua maior parte, marchando em círculos debaixo do sol. Tudo o que você conseguia ver era a parte de trás das orelhas de um cara e sua bunda. Rapidamente me desencantei com os procedimentos militares. Os outros mantinham seus sapatos lustrados e pareciam participar da manobras com gosto. Eu não conseguia encontrar nenhum sentido nisso. Eles estavam apenas sendo postos em ordem para mais tarde terem as bolas estouradas. Por outro lado, não conseguia me ver agachado usando um capacete de futebol, as obreiras no lugar, todo enfeitado com branco e azul, número 69, tentando bloquear algum filho-da-puta mal-intencionado vindo do outro lado da cidade, tentando afastar algum brutamontes com bafo de tacos para que o filho de algum advogado do bairro pudesse avançar uns seis metros sem ser derrubado. O problema era que você precisava ficar constantemente escolhendo entre uma opção horrível e outra pavorosa, e, independente da sua escolha, eles cortavam mais um pedaço da sua carne, até que não sobrasse mais nada para descarnar. Por volta dos 25 anos, a maioria das pessoas estava liquidada. Uma maldita nação inteira de desgraçados dirigindo carros, comento, tendo bebês, fazendo todas as coisas da pior maneira possível, como votar em candidatos à presidência que os fizessem lembrar de si mesmos."

"Caminhando para casa, eu carregava a medalha no bolso. Quem era o coronel Sussex? Apenais mais um cara que tinha que cagar como todos nós. Todos tinham que agir dentro dos conformes, adaptar-se a um molde. Médico, advogado, soldado - não importava qual fosse a escolha. Uma vez dentro do molde, só restava seguir em frente. Sussex estava tão desprotegido como qualquer outro."

"Finalmente chegou o dia do Baile de Formatura. Foi realizado no ginásio feminino com música ao vivo, uma banda de verdade. Não sei bem por que, mas andei até lá naquela noite, os quatro quilômetros que separavam a escola da casa dos meus pais. Fiquei do lado de fora, no escuro, olhando para o baile, através das janelas gradeadas, completamente admirado. Todas as garotas pareciam extremamente crescidas, imponentes, adoráveis, trajando vestidos longos, e todas exalando beleza. Quase não as reconheci. E os garotos em seus smokings estavam muito bem, dançavam com perfeição, cada qual segurando uma garota nos braços, seus rostos pressionados contra os cabelos delas. Todos dançavam com extrema graça, e a música vinha alta e límpida e boa, potente.
Então vislumbrei o reflexo do meu rosto a admirá-los - marcados por espinhas e cicatrizes, minha camisa surrada. Eu era como uma fera da selva atraída pela luz, olhando para dentro. Por que eu tinha vindo? Sentia-me mal. Mas continuava assistindo a tudo. A dança terminou. Houve uma pausa. Os casais trocavam palavras com facilidade. Era algo natural e civilizado. Onde eles tinham aprendido a conversar e a dançar? Eu não podia conversar ou dançar. Todo mundo sabia alguma coisa que eu desconhecia. As garotas eram tão lindas; os rapazes, tão elegantes. Eu ficaria aterrorizado só de olhar para uma daquelas garotas, o que dizer ficar sozinho em sua companhia. Mirá-la nos olhos ou dançar com ela estaria além das minhas forças.
E ainda assim eu tinha consciência de que o que via não era tão simples em tão bonito como aparentava ser. Havia um preço a ser pago por aquilo tudo, uma falsidade generalizada na qual facilmente se poderia acreditar e que poderia ser o primeiro passo para um beco sem saída. A banda voltou a tocar e as garotas e os garotos recomeçaram a dança, e as luzes sobre suas cabeças giravam, lançando sobre os casais reflexos dourados. Enquanto eu os observava, dizia para mim mesmo que um dia minha dança iria começar. Quando este dia chegasse teria alguma coisa que eles não tem.
De repente, contudo, aquilo se tornou demais para mim Eu os odiei. Odiei sua beleza, sua juventude sem problemas e, enquanto os via dançar por entre o mar de luzes mágicas e coloridas, abraçados uns aos outros, sentindo-se tão bem, pequenas crianças ilesas, desfrutando de sua sorte temporária, odiei-os por terem algo que eu ainda não tinha, e disse para mim mesmo, algum dia serei tão feliz quanto vocês, esperem para ver."

"- Você não pode culpá-los por serem ricos - disse Jimmy.
- Não, eu culpo os fodidos dos seus pais.
- E os avós deles - disse Jimmy.
- Sim, ficaria feliz em tomar seus carros novos e suas namoradas bonitas e cagaria para coisas como justiça social.
- É - disse Jimmy. - Acho que o único momento em que as pessoas pensam em injustiça social é quando acontece com elas."

"Incomodava-me o fato de que considerassem que suas posições valessem tanto assim. Talvez, se eu fosse um vendedor, me sentisse da mesma maneira. Eu não dava muita bola para os funcionários di estoque. Nem para os vendedores.
Agora, pensei, empurrando meu carrinho, tenho esse emprego. É assim que as coisas devem ser? Não é de espantar que homens assaltem bancos. Há muitos trabalhos por demais aviltantes. Por que, diabos, eu não era um juiz de uma corte superior ou um pianista de concerto? Porque isso exigia treinamento e treinamento custava dinheiro. Mas, de qualquer forma, eu não queria ser nada na vida. E nisso, certamente, eu estava sendo bem-sucedido.
Empurrei meu carrinho até o elevador e apertei o botão.
As mulheres queriam homens que ganhassem dinheiro, as mulheres queriam homens de estirpe. Quantas mulheres de classe viviam com vagabundos de cortiço? Bem, eu não queria uma mulher mesmo. Não para viver junto comigo. Como os homens podiam viver com mulheres? O que isso significava? O que eu queria era uma caverna no Colorado com um estoque de comida e bebida por três anos. Limparia minha bunda com areia. Qualquer coisa, qualquer coisa que me salvasse do afogamento desta existência trivial, covarde e estúpida."

"Era uma noite de dezembro, um sábado. Estava no meu quarto e tinha bebido mais do que o de costume, acendendo um cigarro no outro, pensando nas garotas e na cidade e nos empregos e nos anos que ainda viriam. Olhando para o devir, eu gostava muito pouco do que eu via. Eu não era um misantropo ou um misógino, mas gostava de estar sozinho. Era bom estar solitário num lugarzinho, sentado, fumando e bebendo. Sempre tinha sido uma boa companhia para mim mesmo."