quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Eu quero ver paisagens...

Só porque eu lembrei...

Filho adotivo - Sérgio Reis

Com sacrifício
Eu criei meus sete filhos
Do meu sangue eram seis
E um peguei com quase um mês
Fui viajante
Fui roceiro, fui andante
E prá alimentar meus filhos
Não comi prá mais de vez...

Sete crianças
Sete bocas inocentes
Muito pobres, mas contentes
Não deixei nada faltar
Foram crescendo
Foi ficando mais difícil
Trabalhei de sol a sol
Mas eles tinham que estudar...

Meu sofrimento
Ah! meu Deus, valeu a pena
Quantas lágrimas chorei
Mas tudo foi com muito amor
Sete diplomas
Sendo seis muito importantes
Que as custas de uma enxada
Conseguiram ser doutor...

Hoje estou velho
Meus cabelos branqueados
O meu corpo está surrado
Minhas mãos nem mexem mais
Uso bengala
Sei que dou muito trabalho
Sei que às vezes atrapalho
Meus filhos até demais...

Passou o tempo
E eu fiquei muito doente
Hoje vivo num asilo
E só um filho vem me ver
Esse meu filho
Coitadinho, muito honesto
Vive apenas do trabalho
Que arranjou para viver...

Mas Deus é grande
Vai ouvir as minhas preces
Esse meu filho querido
Vai vencer, eu sei que vai
Faz muito tempo
Que não vejo os outros filhos
Sei que eles estão bem
Não precisam mais do pai...

Um belo dia
Me sentindo abandonado
Ouvi uma voz bem do meu lado
Pai eu vim prá te buscar
Arrume as malas
Vem comigo pois venci
Comprei casa e tenho esposa
E o seu neto vai chegar...

De alegria eu chorei
E olhei pr'o céu
Obrigado meu Senhor
A recompensa já chegou
Meu Deus proteja
Os meus seis filhos queridos
Mas foi meu filho adotivo
Que a este velho amparou...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Coisas engraçadas que acontecem na vida II

Estar voltando de madrugada para casa e ouvir de um policial, o qual eu perguntei se era seguro andar à noite por aqueles lados, "vem cá, não vá embora, por que a pressa?"

Coisas engraçadas que acontecem na vida I

Estar de carro com a Rose na esquina de casa e um michê vir na janela oferecer seus serviços.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Nunca, em três anos de Física, eu passei uma noite inteira acordada estudando. E uma sexta feira, ainda por cima.
Nem terminou meu primeiro ano de Engenharia e eu fiz isso.
...
Sexta feira à noite, eu sem internet e fazendo os desenhos do Autocad.
E o que eu ganhei com isso???
Gastrite.
Amigdalite.
E fui mal na prova.
...
Saco.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

A Lentidão, de Milan Kundera

“... o homem curvado em sua motocicleta só pode se concentrar naquele exato momento de seu vôo; agarra-se a um fragmento retirado tanto do passado quanto do futuro; é arrancado da continuidade do tempo; está fora do tempo; em outras palavras, está num estado de êxtase; em tal estado, não sabe de sua idade, nada de sua mulher, nada de seus filhos, nada de suas preocupações e, portanto, não tem medo, pois a fonte do medo está no futuro e quem se liberta do futuro nada tem a temer.
A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar sempre em suas bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem delega a uma máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio corpo fica fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que é incorpórea, imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase.”

“...Pontevin é um dos grandes discípulos de Epicuro: inventa e desenvolve suas idéias apenas porque isso lhe dá prazer. Não despreza a humanidade, que é para ele uma fonte inesgotável de reflexões alegremente maliciosas, mas não sente a menor vontade de entrar em contato mais estreito com ela. Está cercado por um grupo de amigos que se encontram no Café gascão, e essa pequena amostra da humanidade já lhe basta.”

“...pois (e é uma outra definição elementar bem conhecida na matemática existencial) cada possibilidade nova que tem existência, até a menos provável, transforma a existência inteira.”

“Ser eleito é uma noção teológica que quer dizer: sem mérito nenhum, por um veredicto sobrenatural, por uma vontade livre, senão caprichosa, de Deus, se é escolhido para alguma coisa de excepcional e de extraordinário. Com essa convicção, os santos encontraram a força para suportar os mais atrozes suplícios. As noções teológicas refletem-se, assim como suas próprias paródias, na trivialidade de nossas vidas; cada um de nós sofre (mais ou menos) da insignificância de sua vida muito comum e deseja escapar dela e elevar-se. Cada um de nós conheceu a ilusão (mais ou menos forte) de ser digno dessa elevação, de ser predestinado e escolhido por ela.
O sentimento de ser eleito está presente, por exemplo, em toda relação amorosa. Pois o amor, por definição, é um presente não merecido; ser amado sem mérito é até mesmo uma prova de um verdadeiro amor. Se uma mulher me diz: amo você porque você é inteligente, porque é honesto, porque me compra presentes, porque não anda atrás das outras, porque lava a louça, fico decepcionado; esse amor me parece interesseiro. Como é mais bonito ouvir: sou louca por você apesar de você não ser nem inteligente, nem honesto, apesar de você ser mentiroso, egoísta, ordinário.”

“Quando as coisas acontecem rápido demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.
Quando evoquei a noite de Madame de T., lembrei a equação bem conhecida de um dos primeiros capítulos do manual da matemática existencial: o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento. Dessa equação, podemos deduzir diversos corolários, este, por exemplo: nossa época se entrega ao demônio da velocidade e é por essa razão que se esquece tão facilmente de si mesma. Ou prefiro inverter essa afirmação e dizer: nossa época está obcecada pelo desejo do esquecimento e é para saciar esse desejo que se entrega ao demônio da velocidade; acelera o passo porque quer nos fazer compreender que não deseja mais ser lembrada; que está cansada de si mesma; enjoada de si mesma; que quer soprar a pequena chama trêmula da memória.”

domingo, 25 de outubro de 2009

Sidarta, de Hermann Hesse

Nossa, eu nem consigo lembrar quando foi o último fim de semana que eu pude me dar ao luxo de não estudar. Acho que desde a segunda semana de aula... Prova toda semana, isso é desgastante!
Enfim... Passei esse findi com uma paz na alma... Descansei... Limpei a casa... Fiz a felicidade de alguém às custas da minha (afinal, encontrar 15 reais na rua em um sábado à tarde deve realmente ser legal)...

Vou aproveitar e atualizar o blog. Já tenho alguns fragmentos para digitar, e não são poucos!!!

Bom, sem dúvidas Sidarta é um dos melhores livros que eu já li. Além de mostrar várias coisas pertinentes à cultura indiana, a história é tocante, sobre alguém que procura um sentido para o seu "eu"; que procura as respostas dos "por quê's"... O livro ratrata essa busca, desde a sua meninice até o fim da sua vida... E é divino, extremamente belo! Relendo-o, agora, para digitar os fragmentos, me encantei novamente pela história. Recomendo!


"Via muito bem como os mercadores faziam negócios, como os potentados iam à caça, os enlutados choravam seus mortos, as meretrizes se ofereciam, os médicos cuidavam de seus pacientes, os sacerdotes fixavam o dia apropriado para a semeadura, os namorados enlaçavam-se, as mães amamentavam os filhinhos... Mas nada disso era digno de ser olhado. Tudo era mentira; tudo fedor; tudo recendia a falsidade, tudo criava a ilusão de significado, felicidade, beleza e, todavia, não passava de putrefação oculta. Amargo era o sabor do mundo. A vida era um tormento."

"O que é a meditação? O que é o abandono do corpo? Que significa o jejum? /e a suspensão do fôlego? São modo de fugirmos de nós mesmos. São momentos durante os quais o homem escapa à tortura do seu 'eu'. Fazem-nos esquecer, passageiramente, o sofrimento e a insensatez da vida. A mesma fuga, o mesmíssimo esquecimento, o boiadeiro encontra-os na estalagem, quando bebe algumas tigelas de vinho de arroz ou de leite de coco fermentado. Então cessa de sentir o seu 'eu', cessa de padecer dores, anestesia-se por algum tempo. Ao adormecer, junto à tigela de vinho de arroz, consegue o mesmo efeito que provocam Sidarta e Govinda, cada vez que, depois de prolongados exercícios, se distanciam de seus corpos, a fim de entrarem no 'não eu'."

"De quando em quando, ressoava no âmago do seu peito uma vozinha suave, como que agonizante, a exortá-lo bem baixinho e a queixar-se quase imperceptivelmente. Nessas horas, Sidarta, por uns poucos instantes, dava-se conta de que levava uma existência estranha, de que se limitava a fazer coisas que não passavam de um brinquedo. Notava então que tudo isso lhe causava um certo prazer e amiúde o alegrava, mas que a verdadeira vida decorria longe dele, sem tocá-lo. Assim como um malabarista brinca com suas bolas, assim brincava ele com seus negócios e com os homens que os rodeavam. Contemplava-os, divertia-se à sua custa, sem que o seu coração e a fonte da sua alma participassem dessas atividades. Essa fonte jorrava em outra parte, muito distante da sua pessoa; jorrava e prosseguia jorrando, invisível, sem nada ter que ver com a vida de Sidarta. E momentos houve em que ele se assustou de tais pensamentos, desejando que lhe fosse dado, também a ele, participar apaixonadamente, de todo o coração, daquelas ocupações cotidianas, infantis. Almejava viver realmente, gozar realmente, agir realmente, em vez de restringir-se ao papel de um mero espectador."

"Mas, a seguir, passara a noite em casa, tomando vinho e contemplando bailarinas. Perante os comensais, fingira aquela superioridade que já cessara de existir. Bebera muito. Bastante tarde, depois da meia-noite, recolhera-se a seu leito, exausto e todavia excitado, a ponto de chorar e de se desesperar. Por longas horas procurara em vão conciliar o sono, com o coração a transbordar de mágoas que lhe pareciam insuportaveis, de náuseas que o transiam como o gosto fastidioso, repugnante, do vinho, como a música insossa, adocicada, como o sorriso demasiado meigo das dançarinas, como a fragrância excessivamente forte dos seus seios e penteados. Mas, muito mais do que todo o resto, causavam-lhe asco e a sua própria pessoa, os cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o mal-estar da sua pele. Assim como um homem empanturrado de comida e bebida prefere prefere os espasmos do vômito aliviador, assim desejava Sidarta, nessa noite de insônia, lançar para fora de si, num imenso jato de enjôo, aqueles prazeres, aqueles hábitos, aquela vida absurda e livrar-se de si mesmo."

"'Tu vais mesmo abaixo' - disse de si para si, soltando uma risada e, ao pronunciar essas palavras, fixou a vista no rio. Via que também o rio ia abaixo, sempre abaixo, sem que todavia cessasse de murmurar a sua alegre cantiga. Isso lhe agradava."

"- Diz-me se o rio também te comunicou o misterioso fato de que o tempo não existe? - perguntou-lhe sidarta certa feita.
O rosto de Vasudeva iluminou-se num vasto sorriso.
- Sim, Sidarta - respondeu. - Acho que te referes ao fato de que o rio se encontra ao mesmo tempo em toda a parte, na fonte tanto como na foz, nas cataratas e na balsa, nos estreitos, no mar e na serra, em toda a parte, ao mesmo tempo; de que para ele há apenas o presente, mas nenhuma sombra do passado nem de futuro. Não é isso que queres dizer?
- Isso mesmo - tornou Sidarta. - E, quando me veio essa percepção, contemplei a minha vida, e ela também era um rio. O menino Sidarta não estava separado do homem Sidarta e do ancião Sidarta, a não ser por sombras, porém, nunca por realidades. Nem tampouco eram passados os nascimentos anteriores de Sidarta, como não fazia parte do porvir a sua morte, com o retorno ao Brama. Nada foi, nada será; tudo é, tudo tem existência e presente."

"- Espiaste o fundo do meu coração - respondeu Sidarta melancolicamente. - Muitas vezes pensei nisso. Mas olha! Como posso abandonar ao mundo esse menino, em cuja alma não há nenhuma ternura? Não se tornará ele um presunçoso? Não se perderá em prazeres e ambições sem poder? Não repetirás todos os erros do pai? Não se extraviará irremediavelmente no Sansara?
O rosto do balseiro iluminou-se num sorriso radiante. Acariciou delicadamente o braço de Sidarta e disse:
- Consulta o rio a esse respeito, meu amigo! Não estás ouvindo como ele se ri? Achas realmente que cometeste as tuas tolices, a fim de poupá-las a teu filho? Julgas-te capaz de proteger o pequeno contra o Sansara? De que modo? Por meio de ensinamentos, de preces, de admoestações? Ora, meu querido, esqueceste por completo uma história que me contaste aqui mesmo, em outra ocasião; a edificante história de de um filho de Brâmane que se chamava Sidarta? Quem resguardou esse Sidarta do Sansara, do pecado, da avareza, da insensatez? A piedade do pai, as exortações dos mestres, a própria erudição, as pesquisas que ele fazia - nada disso conseguiu servir-lhe de esteio. Que pai, que mestre poderia evitar que Sidarta vivesse a sua vida sujando-se com ela, caindo em culpa e bebendo sozinho a poção amarga, antes de descobrir o seu caminho pelas suas próprias forças? Pensas, meu caro, que alguém possa escapar à busca desse caminho? Talvz teu filhinho, porque o amas e deseja isentá-lo de mágoas, dores e desilusões? Mas, mesmo que morras por ele duas vezes, não lograrás alterar nada do destino que o aguarda!"

"(...)Olha, meu querido Govinda, entre as idéias que se descortinaram encontram-se esta: a sabedoria não pode ser comunicada. A sabedoria que um sábio quer transmitir sempre cheirará a tolice.
- Estás brincando? - perguntou Govinda.
- Não brinco, não. Digo apenas o que percebi. Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. Podemos achá-la; podemos vivê-la; podemos consentir em que ela nos norteie; podemos fazer milagres através dela. Mas não nos é dado pronunciá-la e ensiná-la."

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Putz, quase um mês sem passar por aqui.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Conversas

Depois de uma noite interessante na casa de uma amiga, discutindo poesia, literatura e histórias da vida até as 4 da manhã, aqui estou eu, pra compartilhar alguns dos pensamentos que me rechearam a noite.
Acho que a primeira coisa que me vem à cabeça é o fato de como existe gente diferente neste mundo, e também quão interessante a maioria delas é! Eu já tinha mais ou menos esta noção, mas eu sempre acabo me surpreendendo. Como eu estava falando para esta dita amiga, uma das coisas que eu aprendi durante a minha breve existência é que cada ser humano é um mistério bom, um poço de oportunidades; é certo que todos possuem características que nós consideramos defeitos, mas, quando você começa a aceitar isto, tentar compreender o por quê e o aceitar, você acaba descobrindo coisas maravilhosas, histórias incríveis, idéias interessantíssimas. E isso é ótimo, poder acrescentar, compartilhar, dividir. E crescer. Ah!, como a gente aprende e cresce com os nossos amigos!
Outra questão interessante que me remete agora é a importância da imagem que a gente passa para as outras pessoas; algo como o prisma do nosso eu. E isso foi algo que, nesta última semana, eu já tive oportunidade de discutir com três outras pessoas. É claro que a gente não quer ligar para o que as outras pessoas pensam da gente; eu tento fazer isso. Mas é fato que a gente não vive sem a nossa "reputação". É como uma imagem; não tem como eu pensar em alguém e automaticamente não ligar o seu "eu" à sua imagem. Para algumas pessoas, isso é uma coisa monstruosa; são aquelas que querem sempre sempre agradar os outros, para nunca deixar transparecer os seus monstros interiores, como se isso fosse torturá-las infinitamente (tal qual o retrato de Dorian Gray), e isso as fazem extremamente solitárias.
Já outras pessoas aceitam que isso faz parte da vida, que todo mundo erra, que todos possuem uma dose de "feiúra"; e sabe que, quem parece ser muito perfeito, na verdade está apenas tentando esconder-se para se proteger do mundo.
...

domingo, 13 de setembro de 2009

Desabafo

Não, eu não acho que eu seja poeta só por que fiz um curso de poesia.
Nem acho que seja uma escritora por que eu tenho um blog.
Eu não me acho superior a ninguém.

Eu leio por que procuro respostas, e é maior a probabilidade de encontrá-las se eu procurar em lugares que já foram antes explorados; é por isso que gosto de ler os livros que chamo de "clássicos", e não para dizer que já os li.
E estas mesmas respostas eu busco em todos os lugares, e isso inclui a arte. Seja na primeira, na segunda, na sétima; eu tento fugir dos lugares comuns, e é por isso que gosto de ver filmes que chamam de "cultos", e não para poder dizer que eu sou uma pessoa culta - eu realmente sei que não o sou.

Não, eu não gosto de arrogância, e eu tento não cultivá-la; mas é difícil enxergar a visão que os outros têm quando olham em minha direção, por mais que eu saiba qual é a imagem que eu desejo passar.
E também não gosto de hipocrisia, mas sei que às vezes eu a pratico - mas sempre percebo isso depois de tê-lo feito.

Eu quase nunca tenho uma opinião para nada; quando a tenho, é só por instantes.
Tudo para mim é relativo, e não digo isso por que estou querendo citar a física aqui, como se eu quisesse mostrar que eu sei alguma coisa sobre ela (mesmo porque o que eu sei é bem pouco). Eu realmente acho que não existem verdades e mentiras; a generalização das coisas me irrita; para mim, tudo tem no mínimo três lados.

Eu não possuo uma boa oratória. Eu gosto de "trocar idéias"; eu gosto de ser ouvida, mas não gosto de gritar. Quando eu falo eu quero atenção; eu preciso organizar as minhas idéias em início, meio e fim, se não eu me perco. Eu sou metódica; eu preciso desse espaço de tempo para colocar em tópicos os meus pensamentos e assim expessá-los. Eu me irrito quando eu não consigo fazer isto, e é por isso que eu me calo.

As poucas certezas que eu possuo na vida são todas passageiras; o tempo todo eu estou modificando meu pensamento a respeito das pessoas, das coisas, do mundo.
Quando eu escrevo alguma coisa, eu só estou colocando em palavras aquilo que eu penso no mundo naquele momento, não é uma coisa exata. A busca do meu "eu" (não gosto de chavões, mas às vezes os sinto necessários) me transforma a cada instante; quanto mais eu me procuro, mais decepcionada eu fico, e minha tristeza é real.

...

Eu sinceramente não queria ser assim. Eu gostaria de não pensar nisso, de ser alguém normal, de realmente me importar com coisas comuns; e é por isso que muitas vezes eu finjo gostar destas "coisas comuns" (e eu não estou dizendo isso como se estas "coisas comuns" fossem inferiores àquelas coisas que eu realmente procuro; são apenas diferentes). Mas isso não me satisfaz; e eu fico colocando e tirando tantas máscaras diferentes o tempo todo que eu nem sei qual é a minha verdadeira identidade.

...

(ps: este post tomou um rumo totalmente diferente do que eu queria, mas isso não significa que ele não seja a minha verdade agora.)

Só atualizando...

(Acho que já postei essa poesia aqui, mas vale a pena mesmo assim)

Café pingado (Jacques Prévert)



É terrível
O barulinho de ovo quebrado contra o balcão de zinco
terrível esse barulho
quando ele se agita na memória do homem faminto
terrível também a cabeça do homem
a cabeça do homem que tem fome
quando se vê às seis da manhã
no espelho da grande loja
uma cabeça cor de poeira
mas não é a sua cabeça que ele vê
na vitrine da casa Fauchon
pouco lhe importa essa sua cabeça de homem
não pensa nela
sonha
imagina uma outra cabeça
cabeça de vitela por exemplo
com molho de vinagre
ou cabeça de qualquer coisa que se coma
e mexe lentamente o maxilar
lentamente
e trinca os dentes lentamente
pois o mundo se diverte à custa da sua cabeça
e ele nada pode contra o mundo
e conta com os dedos, um, dois, três
um, dois, três
três dias que não come
e já está cansado de repetir por três dias
As coisas não podem continuar assim
mas continuam
três dias
três noites
sem comer
e por detrás do vidro
patês garrafas conservas
peixes mortos protegidos pelas latas
latas protegidos pelo vidro
vidro protegidos pelos tiras
tiras protegidos pelo medo
quantas barricadas por seis sardinhas infelizes...
Mais adiante o bar e o restaurante
café com leite e pãezinhos quentes
o homem titubeia
e lá dentro de sua cabeça
um nevoeiro de palavras
um nevoeiro de palavras
sardinhas para comer
ovo cozido café com leite
café pingado rum
café com leite
café com leite
café com crime pingado sangue!...
Um homem muito estimado no bairro
cortaram a garganta dele em pleno dia
o assasino o vagabundo lhe roubou
dois francos
ou seja um café pingado
zero franco setenta centavos
dois pãezinhos com manteiga
e vinte e cinco centavos de troco a gorjeta do garçom
É terrível
o barulinho do ovo cozido contra o balcão de zinco
terrível esse barulho
quando se agita na memória do homem faminto.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Poesia 2

Neste exercício era dado duas partes de uma poesia, e nós tínhamos que completá-las com versos de 7 sílabas poéticas e rimando, claro.
O que está em negrito foi a parte dada; eis a poesia que eu crie:

Vamos beber qualquer coisa,
A paz esqueceu minha alma.
Só no cálice a ferida
Consegue encontrar a calma.

Vamos beber qualquer coisa,
Que a lua avança no mar,
e há salobros fantasmas
que não quero visitar.


Vamos beber qualquer coisa:
Conhaque, rum ou do porto.
Quero afogar a lembrança
do peito gélido, morto.

Vamos beber qualquer coisa.
O que for. Vamos beber.

Deixar passar esta noite,
Esperar amanhecer.




(ps: tá, mãe, foi meio deprê também, eu sei, mas o que eu podia fazer? tinha que fazer sentido, né... ;/)

domingo, 30 de agosto de 2009

Bienal

Desde o dia 27 está rolando a I Bienal do Livro de Curitiba, e é óbvio que eu compareci, né?!?!?
Dentre as várias atrações da feira, tinha algumas oficinas: romance, conto, crônica e poesia.
Como eu quero escrever um livro, pensei: "vou fazer a ofocoa de romance". Mas, como eu sempre sou atrasada, liguei lá para me inscrever, lotado.
"Ah, sério? Não tem mesmo como me encaixar?"
"Não."
"Hum... Então, tá, né... Eu quero me inscrever na oficina de conto."
"Lotado também."
"Ah!!! Não acredito!"
"..."
"Tá, e poesia, tem vaga ainda?"
"Tem sim. Como é seu nome?..."
E, assim, eu me inscrevi na oficina de poesia.

Veja bem: não é que eu não goste de poesia, mas é que eu não escrevo-as muito bem. Eu achava (até ontem, que foi o primeiro dia da oficina) que poesia rimadinha blábláblá era legal, mas preferia muito mais poesia com versos brancos e livres. Eu e muita gente, também.
Mas, o instrutor da oficina (é um professor da UFRJ, mas não me lembro o nome agora), que, aliás, tem uma incrível oratória, teve uma conversa muito legal, e falou muito sobre a poesia clássica, como os sonetos e as redondilhas. Coisas que ele falou me fizeram pensar sobre o meu preconceiro para tudo aquilo que segue um padrão, uma métrica; que possui um método para ser escrito.
Algumas partes interessantes que eu "roubei" da fala dele (não necessariamente com estas palavras, mas com o mesmo sentido - pelo menos com o mesmo sentido que eu entendi):

- O pretexto para escrever um poema não o legitima, isto é, sentir um sentimento louvável e escrever um poema sobre este não torna o poema bom;

- O verso livre deve ser conquistado a partir da superação do conhecimento do verso metrificado, e não a partir da ignorância deste (aliás, isto serve não somente para o verso livre, mas para todas as coisas que nós tendemos a não gostar exatamente por não as conhecermos);

- Ainda em relação à poesia clássica versus poesia "moderna": tá, desde 1922 temos que um poema não precisa ter rima nem métrica, isso é "moderno". Mas por isso temos que descartar todos os 2900 anos de poesia metrificada que temos na História, e ler apenas a poesia de uma década, e achar boa, e achar válida apenas a poesia do último século??? (isso me fez REALMENTE pensar).

(Tem outras coisinhas também que eu quero colocar que ele falou, mas vou por em outro post.)

É claro que, por ser uma oficina de poesia, não ficamos apenas discutindo o assunto - tivemos também tarefinhas para casa, nenhuma muito simples (pelo menos não para mim, que quase nunca fiz versos rimados na minha vida!). Aqui está um dos "desafios":

Fazer um poema com cinco quadras (!), todos com rimas alternadas (!!) e versos decassílabos (!!!), utilizando, na primeira quadra, as palavras viver e porta (sendo que viver tem que vir, necessariamente, antes de porta na quadra), na segunda quadra pernas e seios, na terceira lábios e perto, na quarta compor e boa e na quinta chamas e carne (!!!!!!!!!!!!!!!). Ah, mas, para facilitar, os verbos poderiam ser flexionados... Ufa, facilitou muito!
=P

Enfim, eu acabei fazendo, e, quer saber? ADOREI! Foi muito gostoso ver que eu sou capaz de fazer algo assim... (Aliás, desde então eu virei fã de Camões, que escreveu 8816, sim, OITO MIL OITOCENTOS E DESESSEIS versos decassílabos, heróicos e rimados... Vou ter que ler Os Lusíadas agora!)

Quando, à noite, pontual, ela aparece
vive o cuco, anunciando a triste hora,
e nesta vil casa onde ela não mora,
dez horas fecha a porta e abre a prece.

No quarto onde a esperança é rala, pouca,
está à espera o seu próximo dono.
Numa cama onde não existe o sono
encontram-se pernas, seios, mão, boca.

Nos lábios dele se encontra um cigarro,
nos lábios dela se encontra a repulsa.
Do corpo vazio sua alma é expulsa;
tão perto do céu, tão suja de barro.

Então sozinha de novo ela espera,
calada compõe seus versos de adeus.
Sai da boca mudos segredos seus:
o sorriso falso, a angústia sincera.

Enfim a noite infinita termina,
mas não se apagam as chamas que a gelam.
No fim das noites, os dias revelam
a carne podre: está morta a menina.



;)
ps: eu acho que tem alguns erros de concordância aí, mas faz tamto tempo que eu não tenho aulas de gramática que eu vou deixar assim mesmo...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Pois é... Já que eu prometi há décadas que eu iria postar algo meu mesmo aqui, e, pra ajudar, o destino e o magnífico reitor da UFPR quiseram que eu tivesse mais uma semana de férias suínas (até dia 24 - urgh!!!), aqui estou eu! ;)
Bom, mas eu só estou escrevendo mesmo porque o livro que eu ia postar aqui eu acabei deixando em Curitiba, não tem como copiar os fragmentos... =/

Bom, mas já que eu estou de 'férias' mesmo, e como eu estou meio enferrujada para escrever, vou fazer desse post uma lista TOP 10 das coisas que eu pretendo fazer nestas duas semanas (sem ordem de importância):
01- Ler: O Jogador, O Lobo da Estepe, Amanhecer, Eclipse.
02- Assistir: O Escafandro e a Borboleta, Nixon e Frost.
03- Terminar meu curso de digitação E PRATICAR.
04- Ler TODO (ou pelo menos grande parte de) o material do aerodesign.
05- Postar mais (pelo menos um post a cada 3 dias) neste blog e no pipocaecocacola.
06- Ler blogs alheios E COMENTAR.
07- Terminar de fazer a escultura da Beli Regina em papel machet.
08- Conversar mais.
09- Começar a fazer o robô.
10- Terminar o primeiro capítulo do meu livro.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

É... Aconteceu...

Eu não queria, mas aconteceu... Eu não sei como, me precavi... Me cuidei... Evitei toda e qualquer situação que me pudesse levar aonde eu não queria chegar, mas não deu... Eu me rendi...

Eu li Crepúsculo.

=/

sábado, 1 de agosto de 2009

Férias!... Again??

Pois é... fiquei uma semana de férias, e não postei NADA de novo aqui...
Então, acho que o destino queria realmente que eu desse mais atenção a este blog, e me deu mais duas semanas de férias...
Enfim, agora que eu tenho pc em casa, e estou de férias suínas, não vou poder mais dar estas desculpinhas pelo meu descaso...
;)

sábado, 18 de julho de 2009

Férias!

Uhuuuuuuu!!!!
Finalmente, férias!
Dar uma semana de descanso para os meus nerônios tão fatigados...
;)

Vou ver se passo mais por aqui... :D

terça-feira, 14 de julho de 2009

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Mais um de ficção científica, que eu A-DO-RO!!!!

Em breve (ou seja, não sei quando) posts meus...
;)

“O que é mais natural e mais fácil de explicar? Com as escolas produzindo cada vez mais corredores, saltadores, fundistas, curiosos, torcedores, levantadores de peso e nadadores, em vez de examinadores, críticos, estudantes e criadores imaginativos, a palavra ‘intelectual’ tornou-se, é claro, o palavrão que merecia ser. Você sempre tem medo do diferente. (...) Devemos ser todos iguais. Nada desse negócio de todos nascerem livres e iguais, como diz a Constituição; o que acontece é que todos são igualados. Cada homem é a imagem do outro. Aí todos ficam felizes, pois não há montanhas para fazê-los se acovardarem, contra as quais eles tenham de medir-se.”

“Felizmente, pessoas excêntricas como ela não ocorrem com muita freqüência. Agora já sabemos como consertar quase todas na infância, bem cedo. Não se pode construir uma casa sem prego e se tábuas. Se você não quer que uma casa seja construída, esconda os pregos e as tábuas. Se não quer que uma pessoa seja politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para se preocupar. Dê-lhe só um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Será melhor ela esquecer que existe uma coisa como a guerra. Se o governo for ineficiente, autoritário e perdulário, é melhor ser tudo isso sem que as pessoas se preocupem com essas coisas. Paz, Montag. Dê às pessoas concursos que elas ganham lembrando-se das letras de canções mais populares, dos nomes de capitais ou de Estado que produz mais petróleo. É melhor entulha-las de dados não combustíveis, entupi-las com tantas ‘informações’ que elas se sintam enfastiadas, mas muitíssimo ‘brilhantes’. Aí elas acham que estão pensando, ficam com uma impressão de estar em movimento sem se mexer. E ficarão felizes porque os fatos dessa espécie não se modificam. Não lhes dê coisas escorregadias como filosofia ou sociologia para embrulhar as coisas. Esse é o caminho da melancolia.”

“– Meu senhor, eu não falo coisas – disse Faber. – Eu falo o significado das coisas. Sento-me aqui e sei que estou vivo.”

“Faber cheirou o livro. – Sabe que os livros têm cheiro de noz-moscada ou de alguma especiaria do estrangeiro? Eu adorava sentir o cheiro de livros quando era menino.”

“– O senhor é um romântico incurável – disse Faber. – Seria cômico se não fosse trágico. Não é dos livros que o senhor precisa, mas sim de algumas das coisas que antigamente estavam nos livros. (...) Não, não... o que o senhor está procurando não é de maneira alguma os livros! Descubra essa coisa onde puder, em velhos discos fonográficos, em filmes antigos e em amigos do passado. Procure-a na natureza e em si mesmo. Os livros eram somente um tipo de receptáculo onde guardávamos uma porção de coisas que não queríamos esquecer. Não há nada de mágico neles, absolutamente nada. A magia está apenas no que os livros dizem, em como cosiam para nós os retalhos do universo.”

“O velho balançou a cabeça, compreensivo. – Quem não constrói tem de queimar. Isso é uma coisa tão velha quanto a história ou os delinqüentes juvenis.”

“Granger se deteve ao lado de Montag, também olhando para trás. – Cada pessoa deve deixar alguma coisa atrás quando morre, era o que meu avô dizia. Um filho, um livro, um quadro, uma casa, um muro que construiu ou um par de sapatos que tenha feito. Um jardim que cultivou. Alguma coisa que sua mão tenha tocado de alguma maneira, de modo que sua alma tenha aonde ir quando você morrer. E quando as pessoas olharem para aquela árvore ou aquela flor que você plantou, você estará ali. Não importa o que você faça, ele dizia, desde que você mude alguma coisa; uma coisa era de um jeito antes de você toca-la e passa a ser parecida com você depois. A diferença entre o homem que apenas apara gramados e um jardineiro de verdade está no toque, ele dizia. O cortador de grama bem poderia nunca ter passado por ali; o jardineiro estará lá a vida toda.”

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Razão e Sentimento, de Jane Austen

“– Tenho freqüentemente incorrido nesse tipo de erro – disse Elinor – apreendendo de maneira totalmente falsa um determinado aspecto do caráter alheio: imagino as pessoas muito mais alegres ou tristes, ou inteligentes ou ignorantes, do que na verdade são; e nem posso dizer por que as pessoas dizem de si próprias, e muito freqüentemente pelo que as outras dizem delas, sem nos darmos tempo para deliberar e julgar por nós mesmos.”

“– ... e ouso dizer que é também um panorama encantador, já que você assim o considera; posso admitir que seja também cheio de rochas e promontórios, de musgo cinzento e de silvados, mas estes não têm significação para mim. Não me interesso pelo pictório.
– Receio que seja bem verdade – disse Marianne. – Mas por que você se vangloria disso?
– Desconfio – disse Elinor – que, para evitar uma espécie de afetação, Edward recai em outra. Porque pensa que muitos fingem demonstrar mais admiração pelas belezas naturais do que realmente sentem, pretensão esta que o aborrece, ele afeta maior indiferença e menos discriminação ao vê-las do que realmente tem. Acaba sendo depreciativo e tendo a sua própria afetação.
– É verdade – disse Marianne – que a admiração pelas cenas paisagísticas se transformou em lugar-comum. Todos fingem senti-las e tentam descrever com o gosto e a elegância de quem primeiro definiu o que era beleza pictórica. Detesto toda espécie de lugares-comuns, e às vezes reservo meus sentimentos só para mim mesma por não encontrar uma linguagem adequada para descrevê-los, senão aquela já gasta e destituída de todo sentimento e significado.”

“Sua natureza podia ter-se azedado com a constatação, comum a muitos de seu sexo, de que, apesar de possuir inegáveis trações de beleza, sua mulher não passava de uma idiota... mas Elinor sabia que essa espécie de erro estúpido era comum demais para atormentar permanentemente um homem sensível. Era mais o desejo de se mostrar, pensava ela, que produzia aquele tratamento altivo para com as outras pessoas e a censura a tudo quanto o rodeava: o desejo de parecer superior aos demais.”

sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Morro dos Ventos Uivantes

Eu li há algumas semanas atrás este livro. Completamente tocante e sensível, adorei - e olha que eu não gosto muito de romance.
Enfim, vale a pena.
Na realidade, vale muito a pena quando você descobre que a autora deste livro, a Emily Brontë, morava sozinha com as outras duas irmãs Brontë no alto de um morro, totalmente isoladas do mundo, quase não tinham contato com a sociedade e com as rodas de literatura da época. Mesmo assim, escreveu um livro extremamente profundo, com uma definição ímpar de amor. Lindo.

"Vejo que os habitantes destas regiões levam sobre os das cidades a vantagem que leva a aranha de uma prisão sobre a de uma casa de campo, aos olhos dos seus diversos moradores; e, todavia, creio que a irresistível atração não se deve somente à situação do espectador. Na realidade, a gente daqui vive mais sinceramente, mais em si mesma, e menos em coisas fúteis, externas, superficiais, efêmeras. Aqui, chego a crer na possibilidade de um amor que dure a vida inteira, eu que jamais acreditei num amor capaz de durar mais de um ano. Uma situação lembra um homem esfomeado diante de um único prato, em que ele pode concentrar todo o seu apetite e ao qual pode fazer justiça; a outra é como se lhe apresentassem uma mesa posta por cozinheiros franceses: ele talvez possa achar igualmente capitoso o conjunto, mas cada prato será apenas um átomo para o seu olhar e para a sua lembrança."

A brincadeira, de Milan Kundera

Alguns fragmentos que eu recolhi a algum tempo atrás e estavam perdidos no meu pendrive...

“Mas quem era eu de fato? Sou obrigado a repetir: eu era aquele que tinha muitas caras.
Durante as reuniões, era sério, entusiasta e convicto; desenvolto e brincalhão em companhia dos colegas; elaboradamente cínico e sofisticado com Marqueta; e, quando estava só (quando pensava em Marqueta), era humilde e encabulado como um colegial.
Essa última cara seria a verdadeira?
Não. Todas eram verdadeiras: eu não tinha, a exemplo dos hipócritas, uma cara autêntica e outras falsas. Tinha muitas caras porque era moço e porque não sabia eu mesmo quem era e quem queria ser.”

“Comecei a compreender que não havia nenhum meio de retificar a imagem de minha pessoa, desqualificada por um tribunal supremo dos destinos humanos; compreendi que essa imagem (mesmo sendo pouco semelhante) era infinitamente mais real do que eu mesmo; que ela não era de maneira alguma minha sombra, mas que eu era a sombra de minha imagem; que não era possível acusa-la de não se parecer comigo, mas que eu era o culpado dessa falta de semelhança; e que essa falta de semelhança, enfim, era minha cruz, que eu não poderia confiar a ninguém e que estava condenado a carregar.”

“Todos os fios estavam partidos.
Cortados os estudos, a participação no movimento, o trabalho, as amizades, cortado o amor e a busca do amor, cortado, em resumo, tudo o que na vida fazia sentido. Não me restava senão o tempo. Este, em contrapartida, aprendi a conhecer com intimidade, como jamais conhecera. Não era mais aquele tempo que antes me era familiar, metamorfoseado em trabalho, em amor, em todas as formas de esforços possíveis, um tempo que eu aceitava distraidamente, pois ele era discreto, desaparecendo com delicadeza por trás de todas as minhas atividades. Agora apresentava-se nu diante de mim, tal com era, com seu aspecto original e verdadeiro, e me forçava a designa-lo por seu nome real (pois no momento eu vivia o tempo puro, um tempo puramente vazio), para que eu não o esquecesse um só instante, para que pensasse nele eternamente, para que sentisse seu peso sem cansar.”

“Embora eu tivesse bebido muito, meu apetite frenético se extinguiu quando vi a moça que chamavam de Poste. Tudo me pareceu repugnante e vazio, e, como nem Honza nem Stana estavam lá, ninguém de quem eu gostasse, afundei no dia seguinte numa abominável ressaca que envenenou retrospectivamente a aventura de quinze dias antes, e fiz-me o juramento de que nunca mais ia querer saber de uma moça sentada no assento de uma máquina agrícola, nem tampouco de um Poste embriagado.
Algum princípio moral teria se reacendido em mim? Não; era apenas repugnância. Mas por que repugnância, se algumas horas antes sentira um desejo violento, cuja fúria estava ligada, precisamente, ao fato de que me era indiferente saber quem seria essa mulher? Será que eu era mais delicado que os outros? Será que tinha horror a prostitutas? Não: fui tomado pela tristeza.
Tristeza por ter descoberto que as aventuras que acabara de viver nada tinham de excepcionais, que eu não as escolhera por luxo, por capricho, por aspiração inquieta de conhecer tudo, de viver tudo (o nobre e o abjeto), mas que elas se tinham tornado a condição fundamental e usual de minha vida presente. Que elas circunscreviam de maneira exata a área de minhas possibilidades, que desenhavam com um traço preciso o horizonte da vida amorosa que me era afinal destinada. Que expressavam, não minha liberdade (tal como poderia tê-las imaginado se me tivessem acontecido, digamos, um ano antes), mas meu determinismo, meus limites, minha condenação. E fui dominado pelo medo. Medo desse lamentável horizonte, medo desse destino. Sentia minha alma se encolher sobre si mesma, sentia que ela recuava, e me atemorizava com a idéia de que, diante desse cerco, ela não tivesse para onde escapar.”

“Nada aproxima mais as pessoas (mesmo que seja muitas vezes uma aproximação falsa) do que um entendimento triste, melancólico; essa atmosfera de entendimento pacífico, que adormece todos os temores e freios e que envolve tanto as almas sutis quanto as vulgares, representa a maneira de aproximação mais fácil e, no entanto, é tão rara: na realidade é preciso afastar esse ‘equilíbrio mental’ que inventamos para nós, os gestos e as mímicas artificiais, e nos comportarmos com simplicidade...”

“Na hora senti apenas raiva dele, e a raiva projeta uma luz muito forte, na qual o contorno dos objetos desaparece. Meu comandante me parecia simplesmente um rato vingativo e dissimulado. Eu o vejo hoje sobretudo como um homem que era jovem e que representava um papel. Afinal, se os jovens representam, não é culpa deles; inacabados, a vida os coloca num mundo acabado, no qual exige que eles se comportem com homens feitos. Eles se apressa, conseqüentemente, em se apropriar de formas e de modelos, aqueles que estão em voga, que combinam com eles, que lhes agradam – e representam um papel.
Nosso comandante também era inacabado e uma bela manhã se viu frente a uma tropa, perfeitamente incapaz de compreende-la; mas tinha conseguido sair-se bem, pois aquilo que lera e ouvira oferecia-lhe uma máscara perfeita para situações análogas: o herói implacável das histórias em quadrinhos, o jovem macho com nervos de aço dominando um bando de bandidos, nada de grandes conversas, apenas a cabeça fria, um humor despojado que acerta bem no alvo, a confiança em si e no vigor de seus músculos. Quanto mais consciência tinha de seu aspecto de garoto, mais fanatismo ele punha no seu papel de super-homem.”

“Sempre imagino mamãe no céu. Não, não creio mais em Deus, na vida eterna, nem em coisas semelhantes. Não se trata de fé. Trata-se do imaginário. Não sei por que deveria abandoná-lo. Sem isso, eu me sentiria órfão. Vlasta me censura por ser sonhador. Parece que eu não vejo as coisas como elas são. Absolutamente; eu as vejo como elas são, mas, além das coisas visíveis, vejo outras coisas. Não é à toa que existe o imaginário. É dele que é tecido o nosso mundo interior.”

“Achava que Lucie, por mais que eu a amasse, por mais perfeitamente única que ela fosse, era inseparável da situação em que nos conhecemos e nos apaixonamos. Parecia-me que era cometer um erro de raciocínio abstrair a mulher amada do conjunto das circunstâncias nas quais a tinha encontrado e revisto, tentar, à custa de uma obstinada concentração mental, despoja-la de tudo o que não fosse ela mesma e, portanto, da história que vivia com ela e que dava forma ao amor.
Realmente, amo na mulher não aquilo que ela é por si mesma, mas a maneira como se aproxima de mim, aquilo que ela representa para mim. Eu a amo como uma personagem de nossa história a dois. Quem seria Hamlet, privado do castelo de Elsinore, de Ofélia, de todas as situações concertas que atravessa, do texto de seu papel? O que sobraria, além de uma essência vazia e ilusória?”

“É evidente que o movimento comunista não tem Deus. No entanto, só os cristãos que enxergam apenas os defeitos dos outros, não enxergando os próprios, podem atacar o comunismo. Digo: os cristãos. Mas onde estão eles ao certo? À minha volta só vejo pseudo-cristãos, que vivem exatamente como os ateus. Ora, ser cristão significa viver de outra maneira. Significa seguir o caminho de Cristo, imitar Cristo. Significa desligar-se dos interesses particulares, do bem-estar e do poder pessoais, voltar-se para os pobres, os humildes, para os que sofrem. É isso que as Igrejas fazem?”

“Mas você nega realmente o seu pecado? Não sente mesmo nenhuma culpa em relação à sua comunidade? De onde vem esse orgulho? O homem devotado à sua fé é humilde e deve aceitar o castigo, mesmo injusto. Os humilhados serão engrandecidos. Os arrependidos serão absolvidos. Aqueles que foram prejudicados têm a oportunidade de provar sua fidelidade. Se você for amargo com os outros pela única razão de que eles puseram sobre seus ombros um fardo muito pesado, é porque sua fé é fraca e porque você não saiu vencedor da prova que lhe foi imposta.”

“... e pensei: mesmo que me fosse possível apagar da minha vida esses poucos dias inúteis, de que me adiantaria, já que toda a história da minha vida foi concebida no erro, com a brincadeira do cartão-postal? Percebi com espanto que as coisas concebidas com engano são tão reais quanto as coisas concebidas pela razão e pela necessidade.
Como gostaria de revogar toda a história da minha vida! Com que direito, porém, poderia revogá-la, se os erros dos quais ela nasceu não foram erros meus? Na verdade, quem tinha se enganado quando a brincadeira do meu cartão tinha sido levado a sério? Quem tinha se enganado quando o pai de Alexej (hoje reabilitado mas nem por isso menos morto) foi preso? Tais erros eram tão corriqueiros, tão comuns, que não representavam exceções nem ‘enganos’ na ordem das coisas, mas, ao contrário, constituíam essa ordem. Então, quem teria se enganado? A própria História? A divina, a racional? Mas por que seria preciso imputar-lhe os erros? As coisas se apresentavam assim apenas para a minha razão de homem, mas se a História possui realmente sua própria razão, por que essa razão deveria importar-se com a compreensão dos homens e ser séria como uma professora primária? E se a História brincasse?”

“ ‘Se as montanhas fossem de papel – se as águas se transformassem em tinta – e as estrelas em escribas – se todo o vasto mundo quisesse escrever – ninguém chegaria ao fim – do testamento do meu amor’, cantava Jaroslav, sem desgrudar o violino do peito, e eu estava feliz com essas canções (na cabine de vidro das canções) nas quais a tristeza não é superficial, o riso não é um rictus, o amor não é risível, o ódio não é tímido, nas quais as pessoas amam de corpo e alma (sim, Lucie, de corpo e alma), nas quais a felicidade as faz dançar e o desespero faz com que se atirem no Danúbio, nas quais portanto o amor continua sendo amor, a dor, dor, e nas quais os valores ainda não estão devastados; e parecia-me que no interior dessas canções se encontrava minha saída, minha marca original, o lar que eu traíra, mas que era mais ainda meu lar (já que o lamento mais pungente vem do lar traído); mas eu compreendia ao mesmo tempo que esse lar não era deste mundo (mas que lar é esse, se não é deste mundo?), que tudo o que cantávamos era apenas uma lembrança, um monumento, a conversa imaginária daquilo que não existe mais, e sentia que o chão desse lar fugia dos meus pés e que eu escorregava, com a clarineta nos lábios, na profundeza dos anos, dos séculos, numa profundeza sem fundo (onde amor é amor e dor é dor), e pensava com espanto que meu único lar era justamente essa descida, essa queda, indagadora e ávida, e abandonava-me a ela e à volúpia de minha vertigem.”

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

“O orgulho – observou Mary, que se gabava da solidez de suas reflexões – é um defeito muito comum, creio eu. Por tudo o que tenho lido, estou realmente convencida de que é muito comum, que a natureza humana manifesta uma tendência bastante acentuada para o orgulho, que são pouquíssimos os que não alimentam esse sentimento, baseado em alguma qualidade real ou imaginária! A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam freqüentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós.”

“Quanto melhor conheço o mundo, menos ele me satisfaz; e cada dia vejo confirmada a minha crença na inconsistência de todos os caracteres humanos e na pouca confiança que se pode depositar nas aparências do mérito ou do bom senso.”

“Em suma, ela deu-se conta por conseguinte, como já ocorrera várias vezes anteriormente, que os eventos aguardados com impaciência não geravam, ao se realizarem, toda a satisfação que deles se esperava. Assim, era preciso marcar outro período para o início de sua verdadeira felicidade, ter outros pontos de apoio para seus desejos e esperanças.”

domingo, 21 de junho de 2009

"Não acredito em ninguém por princípio. (...) Somos todos mentirosos quando nos convém."

(Frase de Coração de Tinta, de Cornelia Funke)

Macbeth (Shakespeare)

"Mas então, meu marido, por que te mantens sozinho? Aí estás, transformando em companheiras as tuas mais lastimáveis fantasias, entretendo esses pensamentos que deveriam ter morrido com aqueles que agora se ocupam. Coisas para as quais não há remédio não devem ser comtempladas. O que está feito está feito."


"Mas devo pedir-lhe humildemente que me perdoe: aquilo que o senhor é não pode ser transformado por minhas idéias. Os anjos ainda são brilhantes, embora o mais brilhante dentre eles tenha caído. Mesmo que todos as sórdidas silhuetas vestissem os trajos da Benevolência, ainda assim a Benevolência preserva, sempre, sua aparência benévola."

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Crime e Castigo


“Assim acontece sempre a esses nobres corações schillerescos; até o último instante, qualquer ganso é para eles um cisne; até o último momento, acreditam no melhor e nada vêem de mal; embora dêem uma espiada no outro lado do quadro que lhes é mostrado, não querem ver a verdade, até serem forçados a isso; a simples lembrança da verdade os faz estremecer; jogam fora a verdade com as duas mãos, até que as pessoas que lhes mostram as falsas cores imponham-lhes uma capa de louco.”

“Nunca melhorarás um homem se o repelires.”

“Pensam, falou Razumikine mais alto do que nunca; pensam que os ataco por falarem tolices? Nem um pouco! Gosto de ouvi-los dizer tolices! Este é um privilégio da criação. Pelo erro se chega à verdade. Sou um homem porque erro. Nunca uma simples verdade será alcançada sem serem cometidos quatorze enganos e muito provavelmente cento e quatorze. E o erro nos conduz a muitas coisas boa, mas devemos errar sob a nossa própria responsabilidade. Digam tolices, mas digam-nas as suas próprias e as beijarei por isto! Errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminho alheio. No primeiro caso, é um homem; no segundo, não é melhor que um pássaro.”

“Viste que sabes que os outros são tolos, porque não procuras ser mais inteligente?”

sábado, 9 de maio de 2009

1984

(Ainda tô sem ânimo de postar um texto meu, mesmo...)

Outro dia eu fui devolver um livro na biblioteca pública, e pegar um de álgebra pra estudar. Só que na biblioteca pode pegar até 3 livros por vez. Então, eu pensei: "pego um de álgebra e dois pra eu ler. ok. mas qual???? um tem que ser do Kundera, mas e o outro???"
Putz, escolher um livro entre um milhão é complicado... Pelo menos para mim.
Enfim, comecei a passear pelas estantes observando o título e vendo se algum chamava a minha atenção. Aí eu vi a prateleira do Herman Hesse. Eu comecei a ler Sidarta, dele, este ano, mas não terminei. "ah, já sei, vou pegar O Lobo da Estepe". Peguei.
Então ia eu, toda feliz e contente, com os livros na mão, voltando pelos corredores para finalizar a locação destes. Mas....
De repente eu olho para o lado, distraída, e leio, escrito na vertical, 1984.
Pára tudo!!!!!! (Paula, quero a cola da nova regra gramatical, acho que este "pára" não tem mais acento, né??!?!?)
Eu TINHA que pegar este livro... Estava desde o ano passado querendo lê-lo, mas não ainda tinha tido a possibilidade... Conclusão: Hesse ficou para mais tarde.
;D

Fragmentos de 1984, de George Owell:


“Como fizera Syme antes, Winston tomou a colher e com o caldo se pôs a desenhar calungas sobre a mesa. Meditava, ressentido, na textura física da vida. Teria sido sempre assim? Teria a comida tido sempre o mesmo gosto? Olhou em torno da cantina. Um salão de teto baixo, paredes sujas do contacto de inúmeros corpos; maltratadas cadeiras e mesas de metal, tão juntinhas que os cotovelos se tocavam. Colheres arcadas, bandejas trincadas, rústicas xícaras brancas; gordurentas todas as superfícies, sujeira em cada frincha; e um cheiro azedo, composto de gim ordinário, café ruim, guisado metálico e roupa suja. Havia sempre, no estômago e na pele, uma espécie de protesto, a sensação de que se perdera, para um gatuno, algo a que se tinha direito. Era fato que não tinha recordação de nada muito diferente. Em todas as épocas que lembrava com precisão, nunca houvera suficiente para comer, nunca tivera meias ou roupa branca que não fossem esburacadas, mobília que não fosse capenga e gasta; e cômodos mal aquecidos, trens subterrâneos atulhados, casas caindo aos pedaços, pão escuro, chá raro, café nojento, cigarros insuficientes – nada barato e abundante, exceto gim sintético. E conquanto as coisas piorassem com o envelhecimento do corpo, não era isso um sinal de ser diferente a ordem natural das coisas, quando o coração se confrangia ante o desconforto, a sujeira e a escassez, os invernos intermináveis, as meias pegajosas, os elevadores que nunca funcionavam, a água fria, o sabão áspero, os cigarros que se desfaziam, a comida de sabor mau e estranho? Por que achar tudo isso intolerável, a menos que se tivesse uma espécie de lembrança ancestral de coisas outrora diferentes?”

“Winston observou-as enojado. E no entanto, por um momento, que poderio aterrorizante se fizera ouvir, naquele grito de centenas de gargantas! Por que não poderiam gritar dessa forma quando acontecesse algo de fato importante?
Escreveu:
Não se revoltarão enquanto não se tornarem conscientes, e não se tornarão conscientes enquanto não se revelarem.
Refletiu que a frase poderia ser quase a transposição de um dos textos básicos do Partido. O Partido proclamava, naturalmente, ter libertado os proles da servidão. Antes da Revolução eram oprimidos pelos capitalistas, tinham sido chicoteados e submetidos à fome, as mulheres forçadas a trabalhar nas minas de carvão (na verdade, as mulheres ainda trabalhavam nas minas), as crianças vendidas às fábricas com a idade de seis anos. Simultaneamente, fiel aos princípios do duplipensar, o Partido ensinara que os proles eram naturalmente inferiores, que deviam ficar em sujeição, como animais, pela aplicação de algumas regras simples. Pouquíssimo se sabia a respeito dos proles. Não era necessário saber muito. Contanto que continuassem a trabalhar e se reproduzir não tinham importância suas outras atividades. Abandonados a sim mesmo, como gado solto nas planuras argentinas, haviam regressado a um modo de vida que lhes parecia natural, uma espécie de tradição ancestral. Nasciam, cresciam nas sarjetas, iam para o trabalho aos doze, atravessavam um breve período de floração da beleza e do desejo sexual, casavam-se aos vinte, atingiam a maturidade aos trinta, e em geral morriam aos sessenta. O trabalho físico pesado, o trato da casa e dos filhos, as briguinhas com a vizinhança, o cinema, o futebol, a cerveja e, acima de tudo, o jogo, enchiam-lhe os horizontes. Mantê-los sob controle não era difícil. Alguns agentes da Polícia do Pensamento estavam sempre entre eles, soltando boatos, marcando e eliminando os poucos indivíduos julgados capazes de se tornar perigosos; mas não se tentava doutrina-los com a ideologia do Partido. Não era desejável que os proles tivessem sentimentos políticos definidos. Tudo que se lhes exigia era uma espécie de patriotismo primitivo ao qual se podia apelar sempre que fosse necessário leva-los a aceitar ações menores ou maior expediente de trabalho. E mesmo quando ficavam descontentes, como às vezes acontecia, o descontentamento não os conduzia a parte alguma porque, não tendo idéias gerais, só podiam focalizar a animosidade em ridículas reivindicações específicas. Os males maiores geralmente lhes fugiam à observação. (...) Como dizia o lema do partido: ‘Os proles e os animais são livres’.”

“Estavam falando da Loteria. A uns trinta metros de distância, Winston olhou para trás. Ainda discutiam, rosto apaixonado, febril. A Loteria, com seus enormes prêmios semanais, era o acontecimento público a que os proles davam a maior atenção. Era provável que houvesse milhões de proles para quem a Loteria era o principal, se não o único, motivo de continuar a viver. Era o seu deleite, sua loucura, seu anódino, seu estimulante intelectual. Quando se tratava de Loteria, até gente que mal sabia ler e escrever fazia intrincados cálculos e fantásticas proezas de memória. Havia um exército de homens que ganhava a vida graças à simples venda de sistemas, previsões e amuletos. Winston nada tinha a ver com a exploração da Loteria, que era administrada pelo Ministério da Fartura, mas sabia (como sabiam todos do Partido) que em grande parte os prêmios eram imaginários. Na realidade, só eram pagam pequenas quantias, sendo pessoas inexistentes os ganhadores da sorte grande.”

“Pela sua respiração pausada tornou-se evidente que ela adormecera de novo. Ele gostaria de ter continuado falando da mãe. Não supunha, pelo que ainda se lembrava dela, que tivesse sido mulher fora do comum, e muito menos inteligente; e no entanto possuíra uma espécie de nobreza, de pureza, simplesmente porque obedecia a cânones que eram seus próprios. Seus sentimentos eram dela mesma, e não podiam ser alterados pelas circunstâncias externas. Não lhe ocorreria que um ato ineficaz se tornaria, por isso mesmo, sem sentido. Quando se ama alguém, ama-se, e quando não se tem mais nada para lhe dar, ainda se lhe dá o amor. (...) O que o Partido fizera de terrível era persuadir os seus membros de que meros impulsos, meras sensações, não tinham importância, ao mesmo tempo que lhes roubava todo poder sobre o mundo material. Uma vez no jugo do Partido, o que a pessoa sentisse ou não, o que fizesse ou deixasse de fazer, literalmente não fazia diferença. Acontecesse o que acontecesse, o indivíduo sumia, e nem ele nem seus atos eram jamais mencionados. Era banido do rio da história. E no entanto, aos cidadãos de apenas duas gerações atrás, isto não teria parecido importante, porque não tentavam alterar a história. Era governados por lealdades particulares que não punham em dúvida. O que importavam eram relações individuais, e podia ter valor em si um gesto completamente irrelevante, um abraço, uma lágrima, uma palavra dita a um moribundo. De repente, ocorreu-lhe que os proles continuavam assim. Não eram leais a um partido, país ou ideologia, eram leais aos seus semelhantes. Pela primeira vez na vida não desprezou os proles nem pensou neles apenas com força inerte que um dia ganharia vida e regeneraria o mundo. Os proles tinham continuado humanos.”

“Desde que se começou a escrever a história, e provavelmente desde o fim do Período Neolítico, tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa, assim como sua atitude em relação às outras, variavam segundo as épocas; mas nunca se alterou a estrutura essencial da sociedade. Mesmo depois de enormes comoções e transformações aparentemente irrevogáveis, o mesmo diagrama sempre se restabeleceu, da mesma forma que um giroscópio em movimento sempre volta ao equilíbrio, por mais que seja empurrado deste ou daquele lado. (...)
Os objetivos destes três grupos são inteiramente irreconciliáveis. O objetivo da Alta é ficar onde está. O da Média é trocar de lugar com a Alta. E o objetivo da Baixa, quando tem objetivo – pois é característica constante da Baixa viver tão esmagada pela monotonia do trabalho cotidiano que só intermitentemente tem consciência do que existe fora da sua vida – é abolir as distinções e criar uma sociedade em que todos sejam iguais. Assim, por toda a história, trava-se repetidamente uma luta que é a mesma em seus traços gerais. Por longos períodos a Alta parece firme no poder, porém mais cedo ou mais tarde chega um momento em que, ou perde a fé em si própria ou sua capacidade de governar com eficiência, ou ambas. É então derrubada pela Média, que atrai a Baixa ao seu lado, fingindo lutar pela liberdade e a justiça. Assim que alcança sua meta, a Média joga a Baixa na sua velha posição servil e transforma-se em Alta. Dentro em breve uma nova classe Média se separa dos outros grupos, de um dele ou de ambos, e a luta recomeça. Das três classes, só a Baixa nunca consegue nem êxito temporário na obtenção dos seus ideais. Seria exagero dizer que não se registra na história progresso material. Mesmo hoje, nesse período de declínio, o ser humano comum é fisicamente melhor do que há alguns séculos. Mas nenhum progresso em riqueza, nenhuma suavização de maneiras, nenhuma reforma ou revolução jamais aproximou um milímetro a igualdade humana. Do ponto de vista da Baixa, nenhuma modificação histórica significou mais do que uma mudança do nome dos amos.”

“O antigo tipo de socialista, treinado a lutar contra o que às vezes se chamava ‘privilégio de classe’, supunha que o que não fosse hereditário não podia ser permanente. Não percebia que a continuidade de uma oligarquia não precisava ser física, nem fazia pausa para refletir que as aristocracias hereditárias sempre tiveram vida curta, enquanto que organizações auto-renovantes como a Igreja Católica, às vezes duram centenas e mesmo milhares de anos. A essência do jugo oligárquico não é a herança de pai a filho, mas a persistência de certo ponto de vista em face do mundo e de certa maneira de viver, imposta aos vivos pelos mortos. Um grupo dominante só continua mandando enquanto consegue nomear seus sucessores. O Partido não se interessa pela perpetuação do seu sangue, mas pela perpetuação da entidade. O que importa não é quem maneja o poder, contanto que permaneça sempre a mesma estrutura hierárquica.”

terça-feira, 5 de maio de 2009

Ufa!

Acabou!
O primeiro módulo da facul acabou...
Foram dois longos meses, ok, sem muita matéria nova, já tinha visto a maioria na Física, mas um bom tempo atrás...
Trote, churras, pebolim, veteranos... Adoooooro ser caloura de novo!
;P

Agora estou em Foz, na casa do pai, curtindo minha uma semana de férias... Aliás, uma semana não, meus 6 dias de férias, porque fui arrogante e prepotente em excesso e não estudei o suficiente para a prova de termo, e acabei tirando 6 em uma prova na qual eu deveria tirar 6,5 para passar direto...
Resultado?
Média: 6,8 -> isto é, final! =/

Éééééé... sexta feira em Ctba, AGAIN!
=/

sábado, 2 de maio de 2009

A Identidade

Muito tempo sem postar, muitas novidades a contar, pensamentos a colocar em palavras, mas não agora. Essa semana ainda, prometo (dessa vez vou tentar cumprir... ;D)


Fragmentos de A Identidade, de Milan Kundera


“... Jean-Marc se lembrou de sua velha teoria: existem três categorias de tédio: o tédio passivo: a garota que dança e boceja; o tédio ativo: aqueles que gostam de soltar papagaio; e o tédio em revolta: a juventude que queima carros e quebra vitrines.”


“Por mais que dissesse que a amava e a achava bela, seu olhar amoroso não podia consolá-la. Porque o olhar do amor é o olhar do isolamento. Jean-Marc pensava na solidão amorosa de dois seres velhos que se tornaram invisíveis para os outros: triste solidão que prefigura a morte.”


“O que sempre desejei, desde a adolescência, desde a infância talvez, foi outra coisa: a amizade como valor elevado acima de todos os outros. Gostava de dizer: entre a verdade e o amigo, escolho sempre o amigo. Dizia para provocar, mas acreditava seriamente nisso. Hoje sei que essa máxima está superada. Podia ser válida para Aquiles, amigo de Pátroclo, para os mosqueteiros de Alexandre Dumas, até mesmo para Sancho, que era um amigo verdadeiro de seu amo, apesar de todas as suas desavenças. Mas para nós ela não vale mais. Vou tão longe no meu pessimismo que hoje estou pronto a preferir a verdade à amizade.

...

A amizade para mim era a prova de que existe alguma coisa mais forte do que a ideologia, do que a religião, do que a nação. No romance de Dumas, os quatro amigos se encontram muitas vezes em campos opostos, obrigados a lutar uns contra os outros. Mas isso não altera a amizade deles. Não deixam de se ajudar, em segredo, disfarçadamente, pouco ligando para a verdade de seus respectivos campos. Puseram sua amizade acima da verdade, da causa, das ordens superiores, acima do rei, da rainha, acima de tudo.”


“...imaginava a vida diante de mim como uma árvore. Chamava-a então de árvore das possibilidades. É só por um período curto que se vê a vida assim. Depois, ela aparece como uma estrada imposta de uma vez por todas, como um túnel do qual não se pode sair. No entanto, a antiga imagem da árvore permanece em nós sob a forma de uma indelével nostalgia.”


“ Você não pode medir a afeição recíproca de dois seres humanos pela quantidade de palavras que trocam. Simplesmente, a cabeça deles está vazia. Talvez até por delicadeza se recusem a falar, já que não têm nada a dizer. Ao contrário da minha tia de Périgord. Quando a encontro, ela fala sem parar. Tentei compreender o segredo de sua loquacidade. Acompanha com palavras tudo o que vê e tudo o que faz. Que acordou de manhã, que só tomou café preto, que em seguida seu marido saiu para passear, imagine, Jean-Marc, quando ele chegou, viu televisão, imagine! Mudou várias vezes de canal e depois, cansado de televisão, folheou uns livros. E assim, são palavras dela, o tempo passa para ele... Sabe, Chantal, gosto muito das frases simples, comuns, e que são a definição de um mistério. Essa ‘e assim o tempo passa para ele’ é uma frase fundamental. O problema deles é o tempo, fazer o tempo passar, passar por si mesmo, sozinho, sem esforço da parte deles, sem que sejam obrigados, como andarilhos exaustos, a atravessá-lo, e é por essa razão que ela fala, porque as palavras que ela diz fazem o tempo se mover discretamente, ao passo que, quando sua boca fica fechada, o tempo se imobiliza, sai da obscuridade, enorme, pesado, assusta minha pobre tia, que, apavorada, procura depressa alguém para contar que sua filha está preocupada com a diarréia do filho, pois é, Jean-Marc, diarréia, diarréia, ela consultou um médico, você não o conhece, ele mora perto de casa, nós o conhecemos há muito tempo, pois é, Jean-Marc, há muito tempo, esse médico até cuidou de mim, um inverno em que tive uma gripe, lembra, Jean-Marc, tive uma febre horrível...”


“Não é um fracasso desistir dos estudos, foi de ambições que desisti naquela época. De repente me tornei um homem sem ambições. E, tendo perdido minhas ambições, me vi na mesma hora à margem do mundo. E, pior ainda: não sentia nenhuma vontade de estar em outro lugar. Minha vontade ainda menor porque nenhuma miséria me ameaçava. Mas, se você não tem ambições, se não está ávido de sucesso, de ser reconhecido, você se instala à beira da queda. Eu me instalei, verdade que bem comodamente. Ainda assim foi à beira da queda que me instalei. Portanto, sem exagero, estou do lado daquele mendigo e não do lado do dono deste restaurante magnífico que tanto me agrada.”


“Chantal olhava para ele com deleite: ele falava não como um mestre mas como um provocador. É isso que Chantal gosta nele: esse tom seco de um homem que transforma tudo aquilo que diz em provocação, na tradição secreta dos revolucionários ou dos vanguardistas; ele nunca se esquece de ‘chocar o burguês’, mesmo quando diz as verdades mais convencionais. Aliás, as verdades mais provocadoras (‘morram os burgueses!’) não se tornam as verdades mais convencionais quando chegam ao poder? A convenção pode, a qualquer momento, tornar-se provocação, e a provocação, convenção. O que importa é a vontade de ir até o fim de qualquer atitude.”


“O essencial, na vida, é perpetuar a vida: é o parto, e aquilo que o precede, a sedução, isto é, os beijos, os cabelos soltos ao vento, as calcinhas, os sutiãs bem cortados, mais tudo o que torna as pessoas aptas para o coito, isto é, a comida, não a grande cozinha, essa coisa supérflua que ninguém mais aprecia, mas a comida que todo mundo compra, e com a comida a defecação, pois a senhora sabem, minha cara senhora, minha bela senhora adorada, a senhora sabe que lugar importante ocupa na nossa profissão o elogio do papel higiênico e das fraldas. Papel higiênico, fraldas, sabão em pó, comida. É o círculo sagrado do homem, e nossa missão não é apenas descobri-lo, apreendê-lo e delimitá-lo, mas torná-lo belo, transformá-lo em canto. Graças à nossa influência o papel higiênico é quase exclusivamente de cor de rosa e esse é um fato altamente edificante sobre o qual lhe recomendo, minha cara e ansiosa senhora, meditar bastante.”

sexta-feira, 20 de março de 2009

Só atualizando (pra variar)...

Pois é... Facul nova, cidade nova, casa nova... E ainda sem net... hehehe
Por isso que não tenho passado tanto por aqui...

MAS...

Vou comprar um pacote aqui da lan house (20h 20 pila), e vou tentar atualizar com mais freqüencia... Afinal, já são muitos fragmentos que estão postados apenas na minha cabeça!
;)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

(Li no perfil de uma guria, gostei e copiei)

"Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social. Mas com muita dificuldade me integro com os homens e em suas comunidades. Não lhes sinto a falta porque sou profundamente um solitário. Sinto-me realmente ligado ao Estado, à patria, a meus amigos, a minha família no sentido completo do termo. Mas meu coração experimenta, diante desses laços, curioso sentimento de estranheza, de afastamento e a idade vem acentuando ainda mais essa distância. (...) "


Como vejo o mundo - Albert Einsten

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Calooooooooooouuuuuuuraaaaaaaa!!!!

Pô, sabe que é legal essa vida de caloura novamente?
Nem começaram as aulas e já começou a zoação...
:)

Enfim, acho que arranjei um apê aqui em Ctba, já... Veremos o que o aguarda em 2009!!!!!!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Resumindo.... (ou AleluiááááááÁÁÁÁÁÁÁááááááÁÁÁAÁÁááááááá...)

Tanto tempo que eu não posto que nem sei mais como começar...
Vamos lá!
...

Não passei no ITA...
=/

Passei na Federal!!!!
;)
Eeeeeee!!!

Sétimo lugar em Eng Mecânica...
(Por incrível que seja, minha pior "performance" foi em física... Bah... Ok, eu explico: culpa da minha arrogância "ah, eu fiz trêz anos de física, não preciso estudar isso DE NOVO..." Doce ilusão...)

Escrevi menos do que queria...
Li menos do que queria...
Fui à praia menos do que queria...
Trabalhei mais do que queria... (Amélia é que era mulher de verdade...)
Gastei mais do que queria... (e podia)


MAS...

Revi a mãe, a Paula, o Deco, o Anderson... pessoas queridas e amadas!
(Apesar de eu "não ser muito ligada à família".. hehe)
(E apesar de também não ter visto todo mundo que eu queria nem o quanto eu queria...)

Matei saudades IMENSAS!!!!

Conheci gente muuuito legal!
(E também gente muuito mala!)

Conheci alguns lugares massa: Morro de São Paulo, também... er... e também... hum... é, conheci um lugar legal... hehehe

ANDEI DE MOTO!!!!
Eeeeee!!! Foi por apenas alguns metros e com a mãe tremendo na garupa, mas valeu!

Ah, mas isso foi só na Bahia... Em Foz teve a bodas de ouro do Vô Paulo e da Vó Lena... Família inteira reunida! Muito legal...

E o pai comprou uma casa MAAAAAAAAARAAAAAAAAAAAA!!!! Com piscina e tudo! xD

...

Férias acabando...

...

ps: eu ia comentar nos outros blogs, mas vou deixar isso pra amanhã... já é nove e meia da noite e eu tô com sono...