domingo, 26 de maio de 2013

Factótum

Bukowski, de novo. Enquanto em "Misto Quente" ele conta de sua infância e início da vida aduta, em "Factótum" ele conta alguns pedaços de sua vida lá pelos vinte e tanto, trinta anos. A constante tristeza e solidão nas entrelinhas (e as vezes muito mais explícito) são as mesmas. Cada vez que eu leio, parece que o dia torna-se mais frio e cinzento. E em "Mulheres", quando ele narra a vida depois dos quarenta, quando o seu sucesso como escritor começa a consolidar, há mais solidão e solidão e solidão. É um livro extremamente triste, e cru. Seco, talvez. Ele é o que é, bebe, fuma, caga, trepa, apanha, e acho que essa maneira de expor-se é o que mais envolve. Resumindo: recomendo. Um dos meus autores favoritos.
(Ah! Preciso dar os créditos para a Marielli, ela que me indicou e emprestou os livros!)



"Deitei na cama, abri a garrafa, dobrei o travesseiro nas costas para ter um bom apoio, respirei fundo e sentei na escuridão olhando a janela. Era a primeira vez que eu estava sozinho em cinco dias. Eu era um homem que se fortalecia na solidão; ela era para mim a comida e a água dos outros homens. Cada dia sem solidão me enfraquecia. A escuridão do quarto era como um dia ensolarado para mim."

"O problema, naqueles dias de guerra, eram as horas extras. Aqueles que estavam no comando sempre preferiam sobrecarregar uns poucos homens de modo contínuo a contratar mais pessoas para que todos pudessem trabalhar um pouco menos. Você dava a seu chefe oito horas, e ele sempre pedia por mais. Ele nunca lhe mandava para casa depois de seis horas, por exemplo. Isso daria tempo a você para que pensasse."

"Quando voltei para Los Angeles, encontrei um hotel barato nas imediações do Hoover Street e fiquei na cama e bebi. Bebi por algum tempo, três ou quatro dias. Não conseguia achar disposição para ler os classificados. A ideia de me sentar diante de um homem e sua mesa e lhe dizer que eu queria um trabalho, que eu tinha as qualificações necessárias, era demais para mim. Francamente, eu estava horrorizado diante da vida, o que um homem precisava fazer para comer, dormir, manter-se vestido. Então fiquei na cama enchendo a cara. Quando você bebe, o mundo continua lá fora, mas por um momento era como se ele não o trouxesse preso pela garganta."

"- Ontem ficamos o dia inteiro aqui. E de noite também. Você me falou de seus pais, que seus pais odiavam você. Certo?
- Certo.
- Por isso você é assim meio louco. Não teve amor. Todo mundo precisa ser amado. Isso arruinou com você.
- As pessoas não precisam de amor. Precisam é de sucesso, de uma forma ou de outra. Pode ser que seja no amor, mas não necessariamente."

"Para cada Joana D' Arc há um Hitler suspenso do outro lado da balança."

O homem da empresa de freios me conduziu através de uma escada estreita. Seu nome era George Henley. George me mostrou minha sala de trabalho, bastante diminuta, escura, iluminada apenas por um bico de luz e uma janelinha que dava para o beco.
- Bem - ele disse -, ali estão as caixas. Você põe as pastilhas de freio dentro das caixas. Dessa maneira.
O sr. Henley me mostrou como fazer.
- Temos três tipo de caixa, cada uma com sua impressão própria. Uma caixa é para nossa 'Pastilha de Freio Super Durável'. A outra é para nossa 'Super Pastilha de Freio'. E a terceira é para a nossa 'Pastilha de Freio Comum'. As pastilhas estão armazenadas bem aqui.
- Mas elas me parecem todas iguais. Como posso diferenciar umas das outras?
- Não é preciso. Elas são todas iguais. Apenas divida tudo em três partes."

"A chamada continuava. Eu achava bacana que houvesse tantas vagas de trabalho, embora isso também me preocupasse - provavelmente seríamos lançados uns contra os outros de alguma maneira. A lei do mais forte. Sempre havia homens a procura de empregos na América, sempre essa oferta de corpos exploráveis. E eu queria ser escritor. Quase todos eram escritores. Nem todos acreditavam que podiam ser dentistas ou mecânico de automóveis, mas todos tinham a impressão de que podiam ser escritores. Daqueles cinquenta caras ali na sala, provavelmente quinze consideravam-se escritores. Mas a grande maioria dos homens, afortunadamente, não é composta de escritores ou mesmo de taxistas, e alguns homens - muitos homens -, infelizmente, não são nada."