sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Morro dos Ventos Uivantes

Eu li há algumas semanas atrás este livro. Completamente tocante e sensível, adorei - e olha que eu não gosto muito de romance.
Enfim, vale a pena.
Na realidade, vale muito a pena quando você descobre que a autora deste livro, a Emily Brontë, morava sozinha com as outras duas irmãs Brontë no alto de um morro, totalmente isoladas do mundo, quase não tinham contato com a sociedade e com as rodas de literatura da época. Mesmo assim, escreveu um livro extremamente profundo, com uma definição ímpar de amor. Lindo.

"Vejo que os habitantes destas regiões levam sobre os das cidades a vantagem que leva a aranha de uma prisão sobre a de uma casa de campo, aos olhos dos seus diversos moradores; e, todavia, creio que a irresistível atração não se deve somente à situação do espectador. Na realidade, a gente daqui vive mais sinceramente, mais em si mesma, e menos em coisas fúteis, externas, superficiais, efêmeras. Aqui, chego a crer na possibilidade de um amor que dure a vida inteira, eu que jamais acreditei num amor capaz de durar mais de um ano. Uma situação lembra um homem esfomeado diante de um único prato, em que ele pode concentrar todo o seu apetite e ao qual pode fazer justiça; a outra é como se lhe apresentassem uma mesa posta por cozinheiros franceses: ele talvez possa achar igualmente capitoso o conjunto, mas cada prato será apenas um átomo para o seu olhar e para a sua lembrança."

A brincadeira, de Milan Kundera

Alguns fragmentos que eu recolhi a algum tempo atrás e estavam perdidos no meu pendrive...

“Mas quem era eu de fato? Sou obrigado a repetir: eu era aquele que tinha muitas caras.
Durante as reuniões, era sério, entusiasta e convicto; desenvolto e brincalhão em companhia dos colegas; elaboradamente cínico e sofisticado com Marqueta; e, quando estava só (quando pensava em Marqueta), era humilde e encabulado como um colegial.
Essa última cara seria a verdadeira?
Não. Todas eram verdadeiras: eu não tinha, a exemplo dos hipócritas, uma cara autêntica e outras falsas. Tinha muitas caras porque era moço e porque não sabia eu mesmo quem era e quem queria ser.”

“Comecei a compreender que não havia nenhum meio de retificar a imagem de minha pessoa, desqualificada por um tribunal supremo dos destinos humanos; compreendi que essa imagem (mesmo sendo pouco semelhante) era infinitamente mais real do que eu mesmo; que ela não era de maneira alguma minha sombra, mas que eu era a sombra de minha imagem; que não era possível acusa-la de não se parecer comigo, mas que eu era o culpado dessa falta de semelhança; e que essa falta de semelhança, enfim, era minha cruz, que eu não poderia confiar a ninguém e que estava condenado a carregar.”

“Todos os fios estavam partidos.
Cortados os estudos, a participação no movimento, o trabalho, as amizades, cortado o amor e a busca do amor, cortado, em resumo, tudo o que na vida fazia sentido. Não me restava senão o tempo. Este, em contrapartida, aprendi a conhecer com intimidade, como jamais conhecera. Não era mais aquele tempo que antes me era familiar, metamorfoseado em trabalho, em amor, em todas as formas de esforços possíveis, um tempo que eu aceitava distraidamente, pois ele era discreto, desaparecendo com delicadeza por trás de todas as minhas atividades. Agora apresentava-se nu diante de mim, tal com era, com seu aspecto original e verdadeiro, e me forçava a designa-lo por seu nome real (pois no momento eu vivia o tempo puro, um tempo puramente vazio), para que eu não o esquecesse um só instante, para que pensasse nele eternamente, para que sentisse seu peso sem cansar.”

“Embora eu tivesse bebido muito, meu apetite frenético se extinguiu quando vi a moça que chamavam de Poste. Tudo me pareceu repugnante e vazio, e, como nem Honza nem Stana estavam lá, ninguém de quem eu gostasse, afundei no dia seguinte numa abominável ressaca que envenenou retrospectivamente a aventura de quinze dias antes, e fiz-me o juramento de que nunca mais ia querer saber de uma moça sentada no assento de uma máquina agrícola, nem tampouco de um Poste embriagado.
Algum princípio moral teria se reacendido em mim? Não; era apenas repugnância. Mas por que repugnância, se algumas horas antes sentira um desejo violento, cuja fúria estava ligada, precisamente, ao fato de que me era indiferente saber quem seria essa mulher? Será que eu era mais delicado que os outros? Será que tinha horror a prostitutas? Não: fui tomado pela tristeza.
Tristeza por ter descoberto que as aventuras que acabara de viver nada tinham de excepcionais, que eu não as escolhera por luxo, por capricho, por aspiração inquieta de conhecer tudo, de viver tudo (o nobre e o abjeto), mas que elas se tinham tornado a condição fundamental e usual de minha vida presente. Que elas circunscreviam de maneira exata a área de minhas possibilidades, que desenhavam com um traço preciso o horizonte da vida amorosa que me era afinal destinada. Que expressavam, não minha liberdade (tal como poderia tê-las imaginado se me tivessem acontecido, digamos, um ano antes), mas meu determinismo, meus limites, minha condenação. E fui dominado pelo medo. Medo desse lamentável horizonte, medo desse destino. Sentia minha alma se encolher sobre si mesma, sentia que ela recuava, e me atemorizava com a idéia de que, diante desse cerco, ela não tivesse para onde escapar.”

“Nada aproxima mais as pessoas (mesmo que seja muitas vezes uma aproximação falsa) do que um entendimento triste, melancólico; essa atmosfera de entendimento pacífico, que adormece todos os temores e freios e que envolve tanto as almas sutis quanto as vulgares, representa a maneira de aproximação mais fácil e, no entanto, é tão rara: na realidade é preciso afastar esse ‘equilíbrio mental’ que inventamos para nós, os gestos e as mímicas artificiais, e nos comportarmos com simplicidade...”

“Na hora senti apenas raiva dele, e a raiva projeta uma luz muito forte, na qual o contorno dos objetos desaparece. Meu comandante me parecia simplesmente um rato vingativo e dissimulado. Eu o vejo hoje sobretudo como um homem que era jovem e que representava um papel. Afinal, se os jovens representam, não é culpa deles; inacabados, a vida os coloca num mundo acabado, no qual exige que eles se comportem com homens feitos. Eles se apressa, conseqüentemente, em se apropriar de formas e de modelos, aqueles que estão em voga, que combinam com eles, que lhes agradam – e representam um papel.
Nosso comandante também era inacabado e uma bela manhã se viu frente a uma tropa, perfeitamente incapaz de compreende-la; mas tinha conseguido sair-se bem, pois aquilo que lera e ouvira oferecia-lhe uma máscara perfeita para situações análogas: o herói implacável das histórias em quadrinhos, o jovem macho com nervos de aço dominando um bando de bandidos, nada de grandes conversas, apenas a cabeça fria, um humor despojado que acerta bem no alvo, a confiança em si e no vigor de seus músculos. Quanto mais consciência tinha de seu aspecto de garoto, mais fanatismo ele punha no seu papel de super-homem.”

“Sempre imagino mamãe no céu. Não, não creio mais em Deus, na vida eterna, nem em coisas semelhantes. Não se trata de fé. Trata-se do imaginário. Não sei por que deveria abandoná-lo. Sem isso, eu me sentiria órfão. Vlasta me censura por ser sonhador. Parece que eu não vejo as coisas como elas são. Absolutamente; eu as vejo como elas são, mas, além das coisas visíveis, vejo outras coisas. Não é à toa que existe o imaginário. É dele que é tecido o nosso mundo interior.”

“Achava que Lucie, por mais que eu a amasse, por mais perfeitamente única que ela fosse, era inseparável da situação em que nos conhecemos e nos apaixonamos. Parecia-me que era cometer um erro de raciocínio abstrair a mulher amada do conjunto das circunstâncias nas quais a tinha encontrado e revisto, tentar, à custa de uma obstinada concentração mental, despoja-la de tudo o que não fosse ela mesma e, portanto, da história que vivia com ela e que dava forma ao amor.
Realmente, amo na mulher não aquilo que ela é por si mesma, mas a maneira como se aproxima de mim, aquilo que ela representa para mim. Eu a amo como uma personagem de nossa história a dois. Quem seria Hamlet, privado do castelo de Elsinore, de Ofélia, de todas as situações concertas que atravessa, do texto de seu papel? O que sobraria, além de uma essência vazia e ilusória?”

“É evidente que o movimento comunista não tem Deus. No entanto, só os cristãos que enxergam apenas os defeitos dos outros, não enxergando os próprios, podem atacar o comunismo. Digo: os cristãos. Mas onde estão eles ao certo? À minha volta só vejo pseudo-cristãos, que vivem exatamente como os ateus. Ora, ser cristão significa viver de outra maneira. Significa seguir o caminho de Cristo, imitar Cristo. Significa desligar-se dos interesses particulares, do bem-estar e do poder pessoais, voltar-se para os pobres, os humildes, para os que sofrem. É isso que as Igrejas fazem?”

“Mas você nega realmente o seu pecado? Não sente mesmo nenhuma culpa em relação à sua comunidade? De onde vem esse orgulho? O homem devotado à sua fé é humilde e deve aceitar o castigo, mesmo injusto. Os humilhados serão engrandecidos. Os arrependidos serão absolvidos. Aqueles que foram prejudicados têm a oportunidade de provar sua fidelidade. Se você for amargo com os outros pela única razão de que eles puseram sobre seus ombros um fardo muito pesado, é porque sua fé é fraca e porque você não saiu vencedor da prova que lhe foi imposta.”

“... e pensei: mesmo que me fosse possível apagar da minha vida esses poucos dias inúteis, de que me adiantaria, já que toda a história da minha vida foi concebida no erro, com a brincadeira do cartão-postal? Percebi com espanto que as coisas concebidas com engano são tão reais quanto as coisas concebidas pela razão e pela necessidade.
Como gostaria de revogar toda a história da minha vida! Com que direito, porém, poderia revogá-la, se os erros dos quais ela nasceu não foram erros meus? Na verdade, quem tinha se enganado quando a brincadeira do meu cartão tinha sido levado a sério? Quem tinha se enganado quando o pai de Alexej (hoje reabilitado mas nem por isso menos morto) foi preso? Tais erros eram tão corriqueiros, tão comuns, que não representavam exceções nem ‘enganos’ na ordem das coisas, mas, ao contrário, constituíam essa ordem. Então, quem teria se enganado? A própria História? A divina, a racional? Mas por que seria preciso imputar-lhe os erros? As coisas se apresentavam assim apenas para a minha razão de homem, mas se a História possui realmente sua própria razão, por que essa razão deveria importar-se com a compreensão dos homens e ser séria como uma professora primária? E se a História brincasse?”

“ ‘Se as montanhas fossem de papel – se as águas se transformassem em tinta – e as estrelas em escribas – se todo o vasto mundo quisesse escrever – ninguém chegaria ao fim – do testamento do meu amor’, cantava Jaroslav, sem desgrudar o violino do peito, e eu estava feliz com essas canções (na cabine de vidro das canções) nas quais a tristeza não é superficial, o riso não é um rictus, o amor não é risível, o ódio não é tímido, nas quais as pessoas amam de corpo e alma (sim, Lucie, de corpo e alma), nas quais a felicidade as faz dançar e o desespero faz com que se atirem no Danúbio, nas quais portanto o amor continua sendo amor, a dor, dor, e nas quais os valores ainda não estão devastados; e parecia-me que no interior dessas canções se encontrava minha saída, minha marca original, o lar que eu traíra, mas que era mais ainda meu lar (já que o lamento mais pungente vem do lar traído); mas eu compreendia ao mesmo tempo que esse lar não era deste mundo (mas que lar é esse, se não é deste mundo?), que tudo o que cantávamos era apenas uma lembrança, um monumento, a conversa imaginária daquilo que não existe mais, e sentia que o chão desse lar fugia dos meus pés e que eu escorregava, com a clarineta nos lábios, na profundeza dos anos, dos séculos, numa profundeza sem fundo (onde amor é amor e dor é dor), e pensava com espanto que meu único lar era justamente essa descida, essa queda, indagadora e ávida, e abandonava-me a ela e à volúpia de minha vertigem.”

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

“O orgulho – observou Mary, que se gabava da solidez de suas reflexões – é um defeito muito comum, creio eu. Por tudo o que tenho lido, estou realmente convencida de que é muito comum, que a natureza humana manifesta uma tendência bastante acentuada para o orgulho, que são pouquíssimos os que não alimentam esse sentimento, baseado em alguma qualidade real ou imaginária! A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam freqüentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós.”

“Quanto melhor conheço o mundo, menos ele me satisfaz; e cada dia vejo confirmada a minha crença na inconsistência de todos os caracteres humanos e na pouca confiança que se pode depositar nas aparências do mérito ou do bom senso.”

“Em suma, ela deu-se conta por conseguinte, como já ocorrera várias vezes anteriormente, que os eventos aguardados com impaciência não geravam, ao se realizarem, toda a satisfação que deles se esperava. Assim, era preciso marcar outro período para o início de sua verdadeira felicidade, ter outros pontos de apoio para seus desejos e esperanças.”