sexta-feira, 12 de março de 2010

Cara.

Ontem foi foda.
Mesmo.
Eu estava indo para a facul, e peguei o Santa Bárbara.
Como era horário de pico, o trânsito estava lento, e fomos parando em todo sinaleiro.
Perto dos correios o ônibus parou - sinal vermelho.
E eu bem distraída, olhando para o nada.
E de repente a minha visão focou-se em um cachorro.
Era um cachorro bonito, bem gordo, bem alimentado.
E ele estava - acreditem! - sorrindo!
Ele tinha um pedaço gigante de alguma coisa na boca que eu não consegui identificar de primeira.
Ele andava, sorrindo, em direção à rua.
Eu olhei, então de onde ele vinha - naquela esquina tinha um costelão (coisa bem comum em Curitiba, uma churrascaria especializada em costela).
E tinha um dos churrasqueiros saindo da janela naquela hora.
Claro, foi isso, ele deu um pedaço de costela para o cão.
E era grande, hein?
Devia ter no mínimo umas cinco ripas.
Enfim.
E o cachorro, gordo, feliz e contente da vida, atravessou a rua e parou naqueles canteiros que existem entre as duas pistas.
Foi uma cena fofa.
Foi, até o ônibus começar a andar.
Eu estava distraída, olhando o cachorro.
E eu ria por dentro por conta de sua felicidade.
E então entrou em meu campo de visão.
Era um homem. Magro, sujo, moreno. Roupas velhas e rasgadas. Sentado, logo na outra esquina. Sentado no chão. Os joelhos dobrados à frente do corpo, as mãos largadas ao lado.
E ele olhava o cachorro.
Não, não era o cachorro.
Era a costela.
E ele olhava de uma forma que era dolorido encarar. Ele tinha os olhos grandes, e estes olhos estavam focados, vidrados, paralisados. E a sua boca estava aberta, como que encara a realidade assim, de uma vez, e fica de boca aberta.
E então o ônibus passou, e eu não consegui ver mais nada.
Mas doeu, sabe?
Doeu.
Doeu ficar pensando o que eu veria se eu tivesse ficado parada, apenas observando.
Será que ele atacaria o cachorro? Será que disputaria com um cão um pedaço de costela? Ou será que ele não possuía mais força alguma para lutar?...
Doeu ficar pensando que isso é tudo o que eu poderia fazer. Observar. Que eu nunca serei boa o suficiente para mudar situações como essa; ou melhor, que meus irmão, que toda a humanidade nunca será capaz desta proeza.
Doeu ver um cão sendo tratado melhor do que um ser humano.
E dói, ainda dói. Arde, fere, mata. Mata saber que o mundo é isso. Que os valores humanos são esses. E que isso não possui salvação.

2 comentários:

CASU Wood disse...

O pior é que infelizmente é basicamente isso... Cada um por si...

Lucemary disse...

Um dia, muitos anos atrás, saí rumo à Reitoria para aula, atrasada. Peguei o expresso, pois o Cristo Rei demorava muito mais. E caminhando apressada pela João Negrão, de longe foco, sem perceber, um homem sentado à um banco. Comendo algo, mastigando com vontade como se fosse um manjar dos deuses. Chegando perto, percebo que o que ele come sai de um saco de lixo aberto a seus pés. O choque não me deixou ver mais nada. Nada. E era uma daquelas fases em que no bolso tinha apenas o passe pra voltar pra casa. E não conhecia ninguém na faculdade, tinha acabado de retornar depois de alguns anos de matrícula trancada. Não fiz nada. Nada.
Muitas vezes acordei no meio da noite com aquela cena viva na minha memória. Muitas vezes chorei de impotência por ver um ser humano passando por aquela situação. Infinitas vezes agradeci a Deus a dádiva de poder ter criado meus filhos sem fome, sem necessidades. Infinitas outras vezes pensei em fazer algo em prol de outrem, além de só ajudar monetariamente. Infinitas vezes permaneci inerte.
Talvez, se em algum momento eu tivesse tomado a iniciativa, começado a fazer sopa e distribuir no sinaleiro como algumas pessoas fazem aqui, eu tivesse ajudado a melhorar o mundo, um pouquinho só. A minimizar tais fatos. Talvez. Talvez se eu tivesse me mexido, minha filha não tivesse se deparado com a cena aqui descrita. Talvez.
Talvez o mundo seja basicamente isso, cada um por si. Mas eu prefiro, do fundo do poço que me encontro agora, lembrar que não. Que para cada um desses que fazem apenas por si, sempre há de existir um Mandela, um Gandhi,uma Madre Tereza, uma Zilda Arns. E incontáveis anônimos que, como cada um deles, faz diferença no mundo pra alguém. Um só que seja, e pronto. Salvar o mundo, ninguém consegue. Jesus não conseguiu.
Acho que, na verdade, preciso me sacudir. Jogar longe o comodismo, a aceitação, a inércia. E (re)começar a cuidar de outros.
Isso não salva o mundo, nem minimiza esse sentimento que minha filha carrega em seu peito. Mas dá uma alegria muito grande a consciência de que se fez um pouquinho que seja pra alguém.
...
Filha, pensa nisso. Já é um começo.

Te amo.