quarta-feira, 30 de julho de 2008

Imagologia

"... Há mais ou menos cem anos, na Rússia, os marxistas perseguidos formaram pequenos círculos clandestinos em que estudavam em conjunto o Manifesto de Marx; simplificaram o conteúdo dessa ideologia para difundi-la em outros círculos cujos membros, simplificando por sua vez esa simplificação do simples, a transmitiram e propagaram até o momento em que o marxismo, conhecido e poderoso em todo o planeta, viu-se reduzido a uma coleção de seis ou sete slogans tão precariamente ligados entre si, que dificilmente podemos considerá-lo como ideologia. E como tudo que ficou de Marx não forma mais nenhum sistema lógico de idéias, mas apenas uma seqüência de imagens e emblemas sugestivos (o operário que sorri segurando seu martelo, o branco estendendo a mão ao amarelo e ao negro, a pomba da paz voando, etc.), podemos justificadamente falar de uma transformação progressiva, geral e planetária da ideologia em imagologia.
(...)
... nos últimos decênios, a imagologia alcançou uma vitória histórica sobre a ideologia.
Todas as ideologias foram derrotadas: seus dogmas acabaram sendo desmascarados como ilusões e as pessoas deixaram de levá-las a sério. Por exemplo, os comunistas acreditaram que a evolução do capitalismo iria empobrecer cada vez mais o proletariado: um dia, ao descobrir que todos os trabalhadores da Europa iam de carro para o trabalho, tiveram vontade de gritar que tinham sido enganados pela realidade. A realidade era mais forte do que a imagologia. E é precisamente nesse sentido que a imagologia a ultrapassou: a imagologia é mais forte do que a realidade... (...) Em Paris, meu vizinho de andar passa a maior parte do seu tempo sentado em seu escritório diante de um outro empregado, depois volta para casa, liga a televisão para saber o que acontece no mundo, e quando o apresentador, comentando a última sondagem informa que para a maioria dos franceses a França é a campeã da Europa em matéria de segurança (li, recentemente, essa sondagem), louco de alegria, abre uma garrafa de champanha e nunca saberá que no mesmo dia, na mesma rua em que mora, foram cometidos três assaltos e dois assassinatos."

(Fragmento de A Imortalidade)

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