"Em nosso mundo, em que aparecem cada dia mais e mais fisionomias que se parecem cada vez mais e mais, não é tarefa fácil para o homem querer continuar a originalidade do seu eu e conseguir convencer-se de sua inimitável unicidade. Há dois métodos para cultivar a unicidade do seu eu: o método aditivo e o método subtrativo. Agnes subtrai de seu eu tudo que é exterior e emprestado, para, desta forma, aproximar-se de sua essência pura (correndo o risco de chegar a zero com essas subtrações sucessivas). O método de Laura é exatamente inverso: para tornar seu eu mais visível, mais fácil de ser apreendido, para dar-lhe mais consistência, ela acrescenta-lhe sem cessar novos atributos, aos quais tenta se identificar (correndo o risco de perder a essência do eu sob esses atributos adicionados).
(...)
O método aditivo é inteiramente agradável se acrescentarmos ao eu um cachorro, uma gata, um assado de porco, o amor do oceano ou as duchas frias. As coisas tornam-se menos idílicas se decidimos acrescentar ao eu a paixão pelo comunismo, pela pátria, por Mussolini, pela Igreja Católica, pelo ateísmo, pelo fascismo ou pelo anti-fascismo. Nos dois casos, o método continua exatamente o mesmo: aquele que defende insistentemente a superioridade dos gatos sobre os outros animais faz, em essência, a mesma coisa que proclama Mussolini o único salvador da Itália: ele apregoa um atributo do seu eu e empenha-se totalmente para que esse atributo (um gato ou Mussolini) seja reconhecido e amado por todos que o cercam.
Esse é o estranho paradoxo de que são vítimas todos aqueles que recorrem ao método aditivo para cultivar seu eu: esforçam-se em adicionar para criar um eu inimitavelmente único, mas tornando-se ao mesmo tempo os propagandistas desses atributos adicionados, fazem tudo para que o maior número de pessoas se pareçam com eles; e então a unicidade do seu eu (tão trabalhosamente conquistado) logo desaparece."
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(Fragmento de A Imortalidade)
É a sua vez de jogar
Há 9 anos
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